Como sempre

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AS partes pudendas de uma mulher desconhecida fazem-se parede onde o sexo de Alberto encosta-se. O chacoalhar, a cada curva e solavanco das avenidas, torna o contacto ainda mais (in) tenso, despertando desejos insaciáveis naquelas circunstâncias.
Sozinho pensa, aqui, o assédio sexual tem outros parâmetros, ou, como diriam os doutores, outras nuances. O cobrador o desperta, a cobrar o valor da passagem. Entretanto está impossibilitado de retirar o valor do bolso, de tão apertado que se encontra.
Seu dia, como todos os outros, iniciou as três da manhã, quando o despertador, no seu berro imperativo ordenou que se levantasse. A uma distância de, provavelmente, oitocentos metros, visualizou o chapa, ETPM. Correu para alcança-lo. Viajou em pé, como sempre.
Ao chegar ao posto de trabalho, já cansado de uma hora e meia de viagem, sentou-se para tomar chá com pão e badjia que comprou nas imediações da sua instituição. A labuta começou, corrida, como sempre.
Ao meio dia sacou a refeição da lancheira, arroz de água com couve. A terminar, seu chefe entrou para a sala onde se encontrava a solicitar que fosse comprar o seu almoço, bifes com batatas frita e salada de repolho, refresco coca-cola. Pouco depois de abandonar o recinto, uma mensagem…tintin…tintin. Abriu o envelope e leu:
“Me desculpa! Tens de voltar para eu te entregar o dinheiro para duas doses de batata, esqueci-me”.
Indignado, voltou e estampou um sorriso no rosto. O dia prosseguiu, como sempre. A tarde voou, o tempo é implacável. Alberto não parava de olhar para o relógio, não podia atrasar-se. A vislumbrar um horizonte para além das suas circunstâncias, no final do dia vai a faculdade, na Universidade Eduardo Mondlane, a duras léguas, caminha da baixa ao campus principal, na Coop.
Por volta das 21 e três quartos sai. O destino é a Guerra Popular, onde toma o transporte de volta a Matola. Usain Bolt desperta em si, a cada noite pois, corre de um lado para o outro, na expectativa de que o autocarro que estacionou é o que o leva para casa. Muitas vezes em vão. Cruza os braços e espera. O estômago ronca.
Já no chapa, de pé, apertado como sempre, apenas lhe conforta a certeza de que está a caminho de casa. Finta a mente para não recordar o risco de ser assaltado na zona. A esposa escreve-lhe uma mensagem que só vê ao descer: no Balanço-Geral mostraram que os gatunos voltaram a actuar, cuidado! Até apareceu aquele filho da comadre Josefa, o mais novo.
Acende um cigarro, alegadamente para afugentar os larápios e para contornar o frio na picada que lhe leva à casa. Ao chegar, a refeição está na mesa. Com esforço vai ao banho. A família, como sempre, já dorme, como acontece quando sai. Aos sábados, a igreja, os xitiques da esposa e os copos com os amigos, ali naquela esquina ou noutra é que o roubam a convivência. Com sorte está com ela aos domingos, quando não vai trabalhar, se bem que, igualmente, nesse dia só quer dormir para não chegar ao job com a cara amarrotada. A razão da preocupação com o rosto é não ser condenado, sem prévio julgamento, pelos colegas que, igualmente, o sentenciam, sem o notificar. Com sorte, um deles, fofoqueiro, informa-lhe.
Ao entrar para o quarto, quebrado, sua mulher tenta reanimar o membro. Debalde. A mulher desconhecida esvaziou. Apaga instantes depois, na certeza de que a rotina, amanhã, não se vai alterar. Sua dúvida é apenas uma: é dia dez e já não tem dinheiro de chapa para regressar do trabalho na noite seguinte.

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É licenciado em Jornalismo, pela ESJ. Tem interesse de pesquisa no campo das artes, identidade e cultura, tendo já publicado no país e em Portugal os artigos “Ingredientes do cocktail de uma revolução estética” e “José Craveirinha e o Renascimento Negro de Harlem”. É membro da plataforma Mbenga Artes e Reflexões, desde 2014, foi jornalista na página cultural do Jornal Notícias (2016-2020) e um dos apresentadores do programa Conversas ao Meio Dia, docente de Jornalismo. Durante a formação foi monitor do Msc Isaías Fuel nas cadeiras de Jornalismo Especializado e Teorias da Comunicação. Na adolescência fez rádio, tendo sido apresentador do programa Mundo Sem Segredos, no Emissor Provincial da Rádio Moçambique de Inhambane. Fez um estágio na secção de cultura da RTP em Lisboa sob coordenação de Teresa Nicolau. Além de matérias jornalísticas, tem assinado crónicas, crítica literária, alguma dispersa de cinema e música. Escreve contos. Foi Gestor de Comunicação da Fundação Fernando Leite Couto. E actualmente, é Gestor Cultural do Centro Cultural Moçambicano-Alemão

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