Um momento que reitera a tradição jazzística de Maputo

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DESDE os anos 40 do século passado que a história da cidade de Maputo tem o jazz como um dos seus ritmos. Já nessa altura, Maputo era cosmopolita, o que possibilitou receber várias culturas e tendências, entre elas a estética deste género musical. E esse é o espírito que o Standard Bank Acácia Jazz voltou a vincar.

Na sessão havida quinta-feira no Hotel Polana, ao receber o quarteto norte-americano Joshua Redman, para além da prata da casa – Jimmy Dludlu e Walter Mabas –,  reiterou este legado que dá o estatuto de uma cidade do jazz à capital do país.

É neste contexto que o autarca Eneas Comiche recordou que “os conjuntos João Domingos e a Orquestra Djambo, precursores da marrabenta, têm neste género uma fonte de inspiração”.

No mesmo fio, inclusive, frisou que a influência se estende a outras artes como a fotografia de Ricardo Rangel, passando pela poesia de José Craveirinha, Noémia de Sousa, por exemplo.

O saxofonista subiu ao palco com o seu quarteto tradicional, composto pelo pianista Aaron Goldberg, o baixista Reuben Rogers e o baterista Gregory Hutchinson, com quem gravou “Come What May”, seu último álbum que está nomeado para Grammy Award, na categoria de Melhor Álbum Instrumental de Jazz.

E a imersão começou com aquele tenor sereno e leve a libertar um virtuosismo donde vertiam frases construídas a partir dos standards, revelando a sua perspectiva “avant-gard”, que se expande por várias correntes e escolas, resvalando no contemporâneo.

Com Joshua Redman a permitir que todos os integrantes do quarteto tecessem as suas opiniões – como mandam as boas regras –, Aaron Goldberg logo se esmerou no piano, tendo sido recebido, no êxtase, por Reuben Rogers.

Em ambiente de improviso, conforme a promessa na conferência de imprensa, as diferentes “vozes” daquele tenor foram transpirando influências de um Coltrane de Love Supreme nas progressões.

A coesão do quarteto era notável nos vários “orgasmos” (“in the groove”) que foram sendo experimentados ao longo da exibição, que ainda tomou de empréstimos algumas variações da bossa nova.

Nos momentos mornos, ainda revisitamos o espírito de um Chet Becker e fomos surpreendidos por um momento em que, enquanto os outros três percorriam pelo “boom bap” do hip-hop, o saxofone parecia “cuspir” “drops”.

Jaime Malendza, que assistia ao concerto, a dado momento comentou: “Lembra-me De la Soul – um grupo americano de hip hop –, nalguns momentos”.

A abertura já tinha sido feita por Walter Mabas, que se fez acompanhar pelo experimentado Muzila no saxofone, Realdo no baixo, Tony Paco na bateria e Nicolau Cauneque.

Obedecendo ao conceito “consagrados e novos valores”, o jovem guitarrista em início de carreira a solo foi integrado no Festival Standard Bank Acácia Jazz. Interpretou temas originais.  

Há anos que Mabas acompanha vários músicos da praça, mas recentemente decidiu revelar as suas composições que, se formos pensar “autor” na acepção do ensaísta espanhol José Ortega y Gasset, segundo o qual esta figura acrescenta, deixam a desejar. São interessantes, entretanto não se percebe o diferencial do músico com outros do género.

Comentava alguém, sobre a performance, que “ele esteve bem e promete muito para a cena jazzística moçambicana”. A jóia da sua exibição foi a recriação de um tema de Zena Bacar.

Jimmy Dludlu, que fechou a noite, esteve igual a si mesmo. Como já é habitual, começou a sua performance na plateia, libertando apenas os acordes da guitarra, enquanto a banda o acompanhava no palco.

Estavam Stelinho Mondlane na bateria, Nelton Miranda no baixo, Thapelo no teclado e Mahu Macamisa no saxofone – um dos frutos da More Jazz Big Band, de Moreira Chonguiça.

Como bem sabe, levantou o público e fez a festa. Até porque perguntou: “Quem disse que o jazz não é música para dançar?” E lá foi no seu festim que bem cultiva o folclore. Mas sem surpresas, sem nada de inédito. Mesmo porque enquanto se exibia, o público foi abandonando a tenda montada para o evento.

Ainda houve espaço para poesia e para artes plásticas. Enquanto se abandonava o local, algumas vozes comentavam que festival é uma série de eventos de índole artística, cultural ou desportiva, que decorre ao longo de um determinado período de tempo, geralmente de forma periódica, podendo ou não ter carácter competitivo e que pressupõe quantidade. A questão é: o Standard Bank Acácia Jazz Festival responde a esses pressupostos? 

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É licenciado em Jornalismo, pela ESJ. Tem interesse de pesquisa no campo das artes, identidade e cultura, tendo já publicado no país e em Portugal os artigos “Ingredientes do cocktail de uma revolução estética” e “José Craveirinha e o Renascimento Negro de Harlem”. É membro da plataforma Mbenga Artes e Reflexões, desde 2014, foi jornalista na página cultural do Jornal Notícias (2016-2020) e um dos apresentadores do programa Conversas ao Meio Dia, docente de Jornalismo. Durante a formação foi monitor do Msc Isaías Fuel nas cadeiras de Jornalismo Especializado e Teorias da Comunicação. Na adolescência fez rádio, tendo sido apresentador do programa Mundo Sem Segredos, no Emissor Provincial da Rádio Moçambique de Inhambane. Fez um estágio na secção de cultura da RTP em Lisboa sob coordenação de Teresa Nicolau. Além de matérias jornalísticas, tem assinado crónicas, crítica literária, alguma dispersa de cinema e música. Escreve contos. Foi Gestor de Comunicação da Fundação Fernando Leite Couto. E actualmente, é Gestor Cultural do Centro Cultural Moçambicano-Alemão

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