“ORFEU NOS INFERNOS” NO XIQUITSI O poder da opinião pública

A OPINIÃO pública é uma das mais fortificadas “prisões” da humanidade. Ela governa, como, aliás deixa claro Voltaire, no “Tratado sobre a tolerância”. A esta reflexão conduz a ópera “Orfeu nos infernos”, que abriu, sexta-feira, a segunda série da presente temporada do Xiquitsi.

O espectáculo, que esteve no palco do Teatro Avenida, em Maputo, escrito pelo francês de origem alemã Jacques Offenbach, no século XIX, é uma sátira ao mito grego da relação entre o galante violoncelista – a semelhança do autor – Orfeu e a sua bela esposa, Eurídice. Estes papéis são interpretados pelo tenor Timóteo Bene Júnior – estudante do Xiquitsi – e a soprano portuguesa Cecília Rodrigues.

Através da música e do teatro, o público entra num cenário de amor falido entre os protagonistas que acabam em traição. Aristeu, que, na verdade é Plutão disfarçado, aproveita-se da situação para encantar a encantadora mulher.

A trama começa a desenrolar-se quando Eurídice, tendo sido descoberta pelo marido, conta ao amante que Orfeu planeia mata-lo. Aristeu revela-se e leva-a ao inferno, que governa.

Opinião Pública – tutora da moral -, interpretada pela soprano Márcia Massicame, obriga o violoncelista a resgatar a companheira, não obstante a satisfação pela sua morte.

Temendo a vergonha e a humilhação que a Opinião Pública era capaz de protagonizar, caso a ignorasse, Orfeu lá vai ao Olimpo, falar a Júpiter, que pretende descer aos infernos para recuperar a esposa.

Entretanto, com humor a mistura, vocábulos do português moçambicano, os montes dos deuses, igualmente, não vivem os dias mais felizes. A eternidade é um fardo demasiado pesado, é entediante e a hipocrisia que tece as relações entre os deuses rompe-se. O cupido, (Herminda Sucena, soprano), por exemplo, quando questionada pela hora que volta ao Olimpo, responde indagando a idoneidade de Júpiter. A rebelião instala-se em solo sagrado, a opinião pública dos deuses pressiona o líder a alterar algumas regras de convivência e este tem de dobrar-se.

A peça é exigente do ponto de vista físico para os actores, pois exige muita movimentação. E, por outro lado, há, em diferentes momentos, partes em que são faladas e não cantadas, o que poderá ter influenciado na dificuldade de esticar a voz por parte da soprano Herminda Sucena.

Quando a Opinião Pública chega com o violinista, os habitantes daqueles montes, onde governa-se o mundo, fingem coesão e bom comportamento para não cair na desgraça da opinião pública (um jogo interessante do compositor Jacques Offenbach).

Esta sátira com personagens cómicas foi escrita na época de Napoleão III, uma era descrita como de luxo, diversão, prazer, em que, por trás das cortinas toda as pessoas faziam o que queria e conservava as aparências.

 Menos por lógica do que pelo temor da condenação pública (a opinião pública é que sentencia, a plebe que, cega, apenas obedece –, a razão e o discernimento são matéria de outros sectores) Júpiter concorda que Orfeu vá ao inferno resgatar a mulher. Todo o Olimpo, farto da rotina, desce junto.

Nesta trama em que a beleza aparece como a razão para o feio – Eurídice é que leva o esposo ao inferno -, o comportamento dos deuses, que no caso, mais se parecem com políticos, mostra que seres perfeitos são uma utopia que há muito a humanidade persegue.

O poder da opinião pública é central na peça, pois determina o rumo dos acontecimentos. O elenco conta ainda com Estevão Chissano, e Hilário Manhiça que desempenham os papéis de John Styx e Mercúrio, respectivamente. E Mariana Carrilho protagonizando Vénus.

A secção musical segue a narrativa com o piano de Pedro Costa, violinos de Maya Egashira e Moises Cossa, viola d’arco executada por Kleyd Alfainho e Peter Martens, no violoncelo.

O espectáculo foi reposto no domingo para pais e familiares dos alunos. No sábado o Xiquitsi actuou na Casa Mafura, no município da Matola, num evento intitulado “Noite Clássica”. Na tarde da sexta-feira, às 16.00 horas escala a sala magna do Campus da Unilúrio, em Pemba, província de Cabo Delgado.

A Kulungwana organizou desde 2005, oito edições do Festival Internacional de Música de Maputo. A música clássica e o jazz acústico foram os géneros musicais privilegiados.

Entre 2005 – 2012 os festivais que reuniam músicos internacionais e nacionais permitiram um intercâmbio importante e criaram a oportunidade para o público jovem em particular, conhecer de perto um género musical e instrumentos menos divulgados em Moçambique. O acolhimento do público e estudantes tem sido muito positivo e as solicitações de promover este tipo de evento ao longo do ano, tem vindo a crescer.

Tendo em consideração o crescente interesse e as novas expectativas, a Kulungwana iniciou em 2013, o projecto Xiquitsi, de forma complementar.

Temporada de Música Clássica de Maputo é organizada durante o ano com três períodos de apresentações em três meses diferentes, Maio, Agosto e Outubro, ocupando vários locais na cidade de Maputo e arredores.

O projecto desenvolve ainda formação de orquestras e coros de Moçambique que visa a integração e inserção social bem como capacitação profissional por intermédio do ensino colectivo de Música, iniciando desta maneira a formação daquela que será a primeira Orquestra Juvenil de Música Clássica em Moçambique. Eldevina (Kika) Materula, oboísta Moçambicana, é directora artística/autora do Projecto Xiquitsi.

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