É tão simples

XIPAMANINE acordou para o sábado. O bairro estava bem disposto, meio preguiçoso. Sexta-feira é sempre um dia agitado. Às duas horas já havia pessoas em pé: uns bebiam as brisas da vontade de trabalhar, outros saboreavam os últimos goles de álcool, que àquela hora já nem faz efeito.

Os carros não circulam na “Irmãos Robby”, estacionados, estão prontos para roncar a despedida dos amantes da sexta-feira.

Já são três horas, os primeiros chapeiros chegam ao local. Existem alguns “modjeros” prontos para gritar o nome das rotas do transporte simicolectivo, para angariar passageiros. Com o hálito do álcool de ontem, combatem as dores de cabeça com mais goles, uns mais agressivos que os outros. Uns respiram a neblina da manhã, outros fazem neblina, beijam cigarros atrevidos, que acendem o ânimo e tornam a respirar mais ofegante.

Há movimento no Bazuca, os “gai-gais” já carregam sacos, falam uma língua imperceptível para quem não é do meio. Gritam, empurram-se, disputam as mercadorias por carregar. Estes Homens já se posicionaram nas entradas do mercado, conhecem as bancas que ajudam a colocar os produtos.

Já são quatro horas e existem passageiros na paragem, estão na bicha, prontos para chegar ao destino. Os carros já circulam, correm. Os “modjeros” ainda não têm grande trabalho.

É Inverno, mas o sol veio bravo, os seus raios “pswitan” a pele dos que se entregam às tarefas diárias.

O bolo

Dona Maria das Dores chegou mais cedo, é assim desde 1995, ano em que montou a primeira banca. Agora anda menos preocupada, pois a filhinha, Mariazinha, gere o seu negócio, atende os clientes com simpatia. Estuda de tarde, mas ajuda a mãe de manhã. Aos sábados e domingos está ali, sempre, só retorna à casa quando o movimento fica brando.

A menina é a esperança daquelas senhoras, que se posicionaram no passeio da “Irmãos Robby”, limitaram a circulação dos peões para alimentar bocas, nutrir os sonhos dos filhos. Suportam o cheiro das águas negras que circulam e por milagre não tocam os tomates e outras verduras e produtos ali vendidos. Relevam as intrigas das colegas, a extorsão e chantagens dos “tios de barrigas largas”, com sorrisos e só respondem com insultos em dias de tensão pré-extrema.

São 13.00 horas, o estômago de Mariazinha entoa músicas orquestradas pela falta de uma refeição. Levanta, pergunta a todos: “A Tia Marta, do carro de comida, não está, todas as senhoras que vendem comida não estão. O que está a acontecer?”.

A resposta tarda. Dona Maria fica preocupada, pega no celular e faz duas chamadas e depois respira fundo, olha para a filha e começa a cantar:

“Parabéns a você, nesta data querida…!”, a música é partilhada por mais vendedoras. Mariazinha emociona-se, recebe o bolo trazido por Marta. Num instante é montada uma mesa. Porque as actividades não podem parar, os clientes precisam de ser atendidos, umas mantêm-se sentadas e outras participam na celebração.

Em take-away a comida é servida. Marta, Paula e Arlete, as vendedoras dos carros, servem a comida. Orlando, um “gai-gai”, cobiça, mas engole a saliva a seco, pois sabe que não cantou a música, que Dona Marta sugeriu há um mês.

Enquanto comia a primeira fatia de bolo, Dona Maria olhou para a filha sorridente. A menina olhava para o bolo, pintado a castanho, via o seu nome a ser fatiado, a sua simpatia a ser valorizada. Lambeu o creme, pegou na faca, cortou cinco fatias, ofereceu uma para um transeunte, que passava. O jovem magro, que naquele dia estava triste, revoltado com a vida, aceitou a fatia e agradeceu.

O jovem, em casa, ao lado do seu cão, o Garga, fez a reconstituição daquele momento, a alegria daquelas pessoas, esqueceu os problemas que tinha, pegou nos comprimidos que comprara numa das farmácias do mercado e despejou-os na água e chorou de alegria, enquanto sentia o sabor do creme castanho.

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