JOSÉ DA SILVA, DA SONY MUSIC “Streaming” dinamizará indústria musical africana

Leonel Matusse Jr.

O CONTINENTE africano desperta para o potencial das indústrias culturais e economias criativas. É nesse espírito que Moçambique embarca no diapasão, cuja caminhada ainda é, entretanto, longa, segundo visão de José da Silva, presidente da Sony Music África, baseada na Costa de Marfim.

Numa entrevista exclusiva, em Saint-Pierre, Ilha Reunião, o cabo-verdiano – que é responsável pela internacionalização da lendária Cesária Évora (Diva dos Pés Descalços) e da conceituada banda moçambicana Kapa Dech, por exemplo – disse ter constatado que falta somente uma estrutura que suporte esse salto.

A falta de profissionais para a área da música, que é especificamente a sua área de actuação, é uma das mazelas que comprometem o crescimento da indústria musical africana, não obstante o potencial em África.

“Vários países africanos ainda não entendem a importância da cultura, não investem na cultura, não fazem nada por ela. Mas devagar alguns começam a compreender o seu valor”, disse José da Silva, a explicar que é preciso organização, salas, festivais e um circuito forte no continente.

Uma estrutura organizacional funcional possibilitaria que os músicos vivessem dos rendimentos do seu trabalho em África e, por tabela, investiriam numa carreira internacional com um capital financeiro robusto.

José da Silva refere que, actualmente, há interesse na música africana, mas ainda não há proveito desse facto, pelo menos no universo francófono, onde actua.

“Quem é o músico africano que está a fazer sucesso internacional?”, questiona. E prossegue: “Estamos numa onda de moda, mas que ainda não está a beneficiar os artistas africanos. No entanto, estamos a caminhar nesse sentido, pois já vemos que há profissionalização dos artistas e eles já descobriram o que é possível a partir da música”, frisou.

Moçambique, apontou José da Silva, que é ainda director-geral do Kriol Jazz Festival, está a mostrar bons sinais. Por isso, acredita ser resultado da consciência dos artistas da nova geração, que perceberam que têm de trabalhar mais, ter ousadia e libertar-se das algemas da tradição.

“Os nossos países são muito conservadores. Cabo Verde também é. Os artistas ficavam amarrados à tradição, mas a nova geração está a ser mais ousada e alguns estão a fazer bom trabalho”, disse a explicar a atenção, que o resto do mundo começa a dar para a música africana.

Recorreu à sua experiência na gestão da carreira e produção da “Diva dos Pés Descalços” para esclarecer que, se tivesse mantido a música tradicional tal como é, é pouco provável que Cesária fosse a grande cantora que é hoje e um estrondo musical, que já vendeu cerca de seis milhões de cópias. “A nova geração já entendeu isso”, repisou.

Na Europa a fazer música

com inspiração africana

JOSÉ da Silva, que é director executivo da Atlantic Music Expo, conta que na Europa há músicos afro-descendentes da segunda e terceira gerações que vêm para África buscar a essência, as sonoridades e incorporam na sua música, e estão a fazer sucesso.

“No topo 10 da França, por exemplo, tens cinco filhos de africanos que estão a fazer música com inspiração africana, mas ainda não basta, queremos ver um nativo a singrar internacionalmente”, assumiu, referindo que isso poderá acontecer quando as indústrias culturais de vários países africanos estiverem prontas.

“Uma das maiores faltas de África é a estrutura comercial. Não temos plataformas digitais que funcionam bem, a África anglófona até está a conseguir, mas a lusófona e francófona ainda estão a preparar-se”, atirou.

Mas as previsões animam José da Silva, pois indicam que nos próximos cinco anos haverá uma explosão da música africana no mundo, porque os números vão mudar e até lá terá as plataformas a funcionar como deve ser.

“Especialistas avançam que dentro de 10 anos África vai ultrapassar Europa, porque o novo negócio da música actualmente está baseado na quantidade, no ‘streaming’, e nós temos quantidade”, revelou o cabo-verdiano.

Estes dados sustentam-se nos registos que indicam que há 600 milhões de smartphones a operar no continente e todos podem ouvir música. Calcula-se que na próxima década o número vai duplicar. Daí que insiste: “é só uma questão de se organizar”.

Esse futuro promissor, para Moçambique, afirmou José da Silva, é uma oportunidade, pois há talento que baste para facturar com o negócio da música.

“O que eu vi é muito bom, tem tudo: uma cultura extremamente forte, instrumentistas muito bons, alguns intérpretes e vocalistas da região vão buscar lá, há um trabalho bom que está a ser feito, o que é percebido pelo grande nível dos músicos moçambicanos”, disse. Mas chama atenção: “faltam grandes vozes, a  música é formidável”.

Esteve no país como delegado no Mozambique Music Meeting (MMM – mercado de música moçambicana), que decorreu em 2017, no Centro Cultural Franco-Moçambicano, e nessa altura impressionou-se com António Marcos. “É um sucesso aquele homem”.

Caracterizou a música do músico moçambicano como sendo formidável, bom repertório. “Muitos artistas africanos não pensam num repertório que chega às pessoas, têm prestado mais atenção à parte técnica e esquecem que o que toca o coração das pessoas é a melodia”, disse José da Silva.

Ainda a apontar as mazelas das indústrias culturais e economias criativas, referiu-se à ausência de jornalistas e órgãos especializados na música, o que contrasta com Europa e com os Estados Unidos da América.

Naqueles quadrantes, explica, “quando sai um disco, há crítica e essa crítica ajuda o músico a entender a música que está a fazer, a ver onde está o erro, orienta”. Esta ausência leva a que “o bom esteja no mesmo nível que o mau”.

Os mercados, que vão surgindo como o Mercado de Música do Oceano Índico (IOMMA), na Ilha Reunião, Moshito Music Conference & Exhibition, em Joanesburgo, na África do Sul, por exemplo, constituem um passo.

“Estas plataformas são importantes, é a melhor forma de o artista ser visto em todo o mundo. Antes, o artista levava cinco anos para chegar ao mundo, mas agora, se estiver preparado, num ano vai para o mundo”, disse José da Silva.

Exemplificou com Elida Almeida, que fez os festivais do IGODA, entre eles Azgo, que acontece em Maio, na capital do país, na sequência de ter-se exibido num “showcase” no IOMMA.

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