A boca silenciada do “Makwerhu”

Guiados pelo ditado popular, “pela boca morre o peixe”, a companhia teatral Makwerhu apresentou uma peça que retrata os medos que silenciam a liberdade de expressão.

Intitulada “A Boca”, a peça foi apresentada na segunda-feira no Centro Cultural Franco Moçambicano e quarta-feira na Fundação Fernando Leite Couto.

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A peça foi criada em 2015 |  Foto: Frédérique Martin

Escrita e encenada por Estreanty, a trama é inspirada nas mortes de Carlos Cardoso, Siba Siba Macuacua e Gilles Cistac. O elenco é jovem, composto pelo pelos seguintes actores, Danito Banze, Orlando Intimane, Jeff Maria, Cesária Vuende, Jhon Thomas e Festinhas.

No palco foi contada a rotina de uma cidade fictícia que é abalada pela morte do jornalista Fred (Orlando Intimane). O seu filho, Jotamo (Danito Banze), de 25 anos, recém-formado em Medicina e apaixonado por jornalismo, decide investigar o assassinato do seu progenitor.

Entre revolta, vingança e a vontade de trazer a verdade à tona, o jovem veste a capa de jornalista e pesquisa. Em alguns momentos, tomado pela frustração, tem no álcool e numa meretriz – o amor de sua vida – o seu consolo.

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“A Boca” é Inspirada na morte de Carlos Cardoso, Siba Siba Macuacua e Gilles Cistac |  Foto: Frédérique Martin 

A Boca” foi escrita em 2015 e a estreia foi em 2017. A encenação chama atenção, Estreanty mostrou segurança no trabalho que executou. Dos aspectos a assinalar, destaca-se o preenchimento do palco. A representação das acções, como a saída de cena de um dos actores e a mudança de contextos, foi coordenada de forma singular.

O encenador inovou representando acções corriqueiras, como as relações intimas de dois amantes , sem ser vulgar. Na cena em apreço, os demais actores fazem uma muralha, que representa um quarto, enquanto o casal troca carícias.

A luz e o som ajudaram a dar corpo a história. Os holofotes cumpriram a sua missão, dando destaque aos actores no momento certo e dando o sentimento que cada cena exigia.

As músicas escolhidas para a peça são tradicionais da zona sul de Moçambique, vão desde os cânticos entoados nos velórios até as coações festivas, típicas de locais de lazer e recreação.

Os actores esmeraram-se e conseguiram elaborar uma trilha sonora natural, onde as bocas e os sonos corporais foram os elementos que deram a vida a peça.

O guarda-roupa usado é simples, mas se encaixa às mudanças de personagens de cada actor. Outro aspecto, o elenco mostrou domínio do texto, mas faltou certa maturidade na representação.

Apesar de estar seguro no preenchimento dos espaços do palco, o protagonista, Danito Banze (Jotamo na peça), deixou muito a desejar. Pouco expressivo, teve dificuldades dar sentimento as palavras que memorizou.

A sua entoação vocal denotou insegurança. Enfim, faltou-lhe mestria para saber fazer uso da sua voz aguda (fina) para transmitir a emoção que o seu papel exigia.

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A peça conta com um elenco jovem |  Foto: Frédérique Martin 

Mas nãos só de representações razoáveis foi feita a peça. O elenco deu mostras de que uma geração de bons actores está por vir. No entanto, faltou, em muitos, naturalidade na encarnação dos papéis sendo que muitos estiveram apegados no papel, tirando as palavras como se declamassem um poema enfadonho. No fundo, esqueceram de dialogar, deixar o texto de lado e viver as personagens.

Cesária Vuende, de forma tímida, destacou-se dos demais. E mais, Orla Intimane venceu pela expressividade.

O texto da peça é pouco original, as falas são um mosaico de frases feitas e clichés. Pouco incisiva, “A Boca” mergulha na especulação e termina afogada no censo comum. Faltou investigação.

Fora do palco

Para Orlas Intimane foi um desafio representar a liberdade de expressão, ou a sua falta, em palco. Refere que a peça toca em verdades, questiona, aponta dedos, sem referenciar nomes.

Nossa ideia é questionar, fazer reflectir a sociedade sobre a necessidade de maior liberdade de expressão”, disse.

Atriz Cesária disse que a peça vence pela intenção. Refere que foi árduo o trabalho para trazer a peça ao palco. Contou que o encenador é exigente, mas com empenho conseguiu se adaptar, pois tem a certeza de que os desafios são basilares para o crescimento dos actores.

O público reagiu a altura das exigências da peça. Atento, por vezes gralhava, por vezes soltava interjeições, sons de admiração, medo e outras emoções.

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