No quarto há 12 camas, há enfermos em todas. Quase todas em idades acima dos 30. No canto esquerdo, junto a parede cinzenta, debaixo da janela há uma adolescente, quase a entrar para idade adulta. Está na flor da juventude.
Não obstante estar junta a janela não para de transpirar. A razão simples: durante o dia as paredes acumulam todo o calor do sol. No final do dia, o calor ainda insiste em dar o ar da sua (des)graça.
Passava eu pelo corredor, a procura de…não me lembro o quê. Quando pela quarta vez ouvi o choro de uma paciente: grande chatice! Logo num dia em que estou impaciente. Entrei para a mandar calar, conquistar silêncio.
Já no interior, identifiquei a chorona. Pronta para lhe obrigar a engolir o pranto, enquanto me aproximava a velozes passos, velocidade igual a que eu gostaria que os chapas que subo para vir ao trabalho tivessem, cheguei nela.
A paciente estava coberta por uma capulana, cabisbaixa, só dava para ver o cabelo crespo, a divisão do pente que já não passava ali havia algum tempo.
– Senhora, você pensa que é a única doente aqui? Não está ver estas outras? Não têm lágrimas? Pensas? Inqueri com um fôlego que fui buscar no limite dos pulmões.
A moça ignorou minha impaciência e continuou com os soluços.
– Não estás a me ouvir?
Levantou a cabeça com toda a lentidão do mundo, os centésimos, segundos eram sua pertença. Com olhos de quem visitara o inferno, vermelhos. Me encarou.
Atônita. Perdi a fala. Era só uma menina.
– Minha vida acabou na tarde de hoje. Não sei o que será de mim – desabafou.
– E eu com isso?
– A minha mama direita começou por sangrar nos finais de dezembro. Em minha casa todos minimizaram o caso. Até que um dia, em amasso com o meu namorado, Luís, ele ao chupar meus seios, sentiu, na língua, um sabor diferente. Levantou-se e olhou para mim. Palavra não disse, vi sangue nos seus lábios carnudos e rosa. Seu olhar já não era de desejo. Era de nojo.
As lágrimas, os soluços, voltaram, mais vivos. Em pé. Não precisava contar o final.
Ela veio ao hospital e depois de sucessivas medicações falhadas, o médico marcou a operação. Ainda sem diagnóstico.
Na sala se descobriu o que ninguém esperava: câncer na mama. Já bem desenvolvido.
Os médicos, sem opção, arrancaram todo o seu seio direito.
– O que será de mim agora? Quem vai me querer agora? Para quê?
Eu já nem não tinha força. Minha boca pesava toneladas, escassearam silabas, nem ditongo provia.
Ela continuou:
– Para esposa não sirvo! Nem para mãe sirvo! Como amamentar assim? Mostrando o peito coberto de ligaduras com a mistura da cor branca e vermelha do sangue e escapava da ferida.
Lembrei de mim adolescente. Qualquer descuido, entrega aos prazeres da preguiça era suficiente para ouvir dos mais velhos: assim, hás-de ensinar o quê aos teus filhos?
As demais internadas, mal se aguentavam, mas quando dei por mim, estavam ao meu lado.
– Agora só me dói pensar. Ele promete que não me deixar. Eu sei que é mentira!
Vi como olha para mim agora, com um olhar de pena.
Perguntei-lhe quantos anos tinha.
– 21, recém-graduada com 17, na Faculdade de Direito da UEM.
Nessa altura, a médica que passava pelo corredor, procurava por mim: Onde está a servente?
Acredito que pequenos gestos podem mudar o mundo. Encontrei no Jornalismo a possibilidade de reproduzir histórias inspiradoras. Passei pela rádio, prestei assessoria de imprensa a artistas e iniciativas. Colaborei em diversas página culturais do país. Actualmente sou repórter do jornal Notícias. A escrita é a minha arma”.