130 ANOS DA CIDADE DE MAPUTO: Pluralidade musical marca celebrações

(Escrito há uma semana da data desta publicação)

A PLURALIDADE de propostas fez o menu das celebrações artísticas dos 130 anos da cidade de Maputo. Stewart Sukuma, na sexta-feira, deu prova da sua versatilidade no Centro Cultural Universitário da UEM e, no sábado, foi Assa Matusse que encheu os olhos dos “maputenses”.

O cosmopolitismo é um dos ingredientes que torna as grandes cidades espaços plurais. A democracia, que possibilita que várias culturas e expressões coabitem, torna estas urbes lugares acolhedores. Maputo não é alheia a estas características e foi o que se viu nas celebrações do 10 de Novembro deste ano.

Foi no espírito da pluralidade que a música clássica instalou-se na cidade e há quatro anos fixou residência através do projecto Xiquitsi, que actualmente detém três orquestras constituídas por adolescentes e jovens vindos dos diversos quadrantes da cidade, periferia à zona nobre.

A vontade de fazer parte da festa de Maputo levou esta iniciativa a convidar um dos filhos da capital do país, que embora nascido na Zambézia. Foi neste território que se fez o músico cidadão do mundo e “desconstrutor” de fronteiras com o seu trabalho.

Chuviscava na cidade, uma bênção, quando a noite de gala, com direito a tapete vermelho à entrada do Centro Cultural Universitário da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), começou.

“Dry Tears Africa”, de John Williams, foi a peça que abriu o espectáculo, com a orquestra juvenil Xiquitsi, sob condução da maestrina Kika Materula, que é, igualmente, directora da iniciativa.

Já nessa altura, pouco depois das 19.30 horas, com parcas palavras, o autarca David Simango tinha felicitado aos munícipes pela efeméride e endereçado votos de bom espectáculo aos presentes.

Do fundo do palco, uma voz emitia um “scat”, que conduzia a orquestra, mas não se sabia de quem era. O baixo, de Hélder Gonzaga, acompanhava com certo destaque a peça de música erudita que seguia a rota do jazz. Depois revelou-se de quem era a voz, Stewart Sukuma anunciando que vinha ao centro.

O vocalista interpretava “Circle Song n.º 6”, do nova-iorquino Bob Mcferrin – conhecido pela sua extensão vocal de quatro oitavas, assim como pela habilidade de usar a voz para criar efeitos diversos.

A admiração pelo compositor e intérprete norte-americano, Stewart Sukuma expressou com as seguintes palavras: “Bob Mcferrin é, para mim, um dos maiores compositores do planeta, no momento”.

“A borboleta voou e nunca mais voltou suas asas, me levaram sincroletas no horizonte/(…) Longe de todos os olhares, a borboleta despiu-se, morreu e renasceu casulo”, interpretou o compositor, já explorando “Papalati”, tema do seu cunho, inspirada numa letra, em changana, de Tina Mucavele.

Os arranjos das peças foram feitos pelos formandos do projecto Xiquitsi. Para esta música, esse trabalho foi feito pelos jovens António Nhancale e Manuel Matsinhe, que integram o coro que se encontrava no fundo do palco.

A plateia estava composta por distintas figuras da cidade, desde políticos, embaixadores, empresários, artistas e singulares, que atenciosamente acompanhava ao espectáculo.

“A Ana (sua parceira) depois vai chatear-se comigo, em casa, mas eu precisava dizer que esta música é dedicada a ela”, declarou, explicando que a mesma expressa o que de mais profundo sentia no momento da composição. Disse referindo-se ao tema “Mbilo Yanga”.

A orquestração dessa música tinha sido feita pelo prodígio Estevão Chissano, de apenas 17 anos de idade, que, em dois anos no Xiquitsi, já compôs uma missa, de cinco orações, com trinta minutos, e, pelo que, mais tarde detalhou Kika Materula, “surpreendo muito, pela positiva”.

A banda Nkuvu, por sua vez, mais habituada a géneros como afro-jazz, jazz, música ligeira moçambicana, entre vários outros, contribuiu para um diálogo com a orquestra que fazia fusão, em alguns momentos, entre a marrabenta e a música erudita.

Por sua vez, Maya Egashira, violonista japonesa, quando convidada a fazer um solo, esgrimiu a sua percepção sobre aquela música, prolongando, dessa maneira, a riqueza da composição da letra, que carrega uma grande carga romântica.

Sempre em interação com a plateia, Stewart Sukuma ia contextualizando as composições e brincando com os membros da orquestra, dando protagonismo aos personagens que desempenharam algum papel de realce para que o espectáculo fosse possível e impecável.

O músico moçambicano foi até Angola buscar o escritor José Eduardo Agualusa na letra por ele composta, que resultou na música “Canção Moura”, um claro apelo à desconstrução das diferenças baseadas na raça. Até porque, como depois referiu, recorrendo à história, facilmente perceber-se que, na verdade, “somos todos mistos”.

No tema seguinte, da plateia, Kika Materula foi sacar do acento o retratista que através da escrita colocou o bairro periférico da Malanga no mapa literário de Maputo, Calane da Silva, para dizer um poema de Luís Carlos Patraquim.

O mote do convite ao também poeta era a interpretação de “A Inadiável Viagem”, que Sukuma musicou do livro com o mesmo título de Patraquim. A orquestração tinha sido feita por Humberto Tendane Júnior.

António Rosa, com o clarinete, ia dando o seu contributo à festa, assim como, ainda que escondido por trás das meninas dos violinos, Carlos Pereira, com o seu piano, ia fazendo a diferença.

A presença de Bob Mcferrin foi sendo regular ao longo do espetáculo, em diversos momentos, trazido por Sukuma, nos “scats”.

A noite foi adentro ainda com os temas “Why”, “Felizminha”, “Hoje”, “Café”, “Parque de diversões” e “Olumwengo”.

A marrabenta, ritmo nascido num dos bairros de lata dos subúrbios da antiga Lourenço Marques, na Mafalala – para ser mais concreto – mereceu uma homenagem na música “Xichuketa Marrabenta”, que é, na verdade, uma declaração de amor a este género. Mais uma vez o arranjo foi de Estevão Chissano. Depois foi “Bata”, “Os sete pecados”.

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Stewart Sukua, Kika Materula – a maestrina. Foto de I. Sitoe

DIVA XIXEL

Sábado, num concerto gratuito, foi dedicado a “Noite Clássica”, sob direcção do maestro português Cláudio Ferreira.

Nessa noite, uma artista, mais uma vez, revelou-se diversa, Xixel Langa. A passar por dias de pesar, subiu ao palco, tal e qual uma diva e viveu a música.

Foi neste contexto que a vocalista e intérprete Onéseia Muholove, formada em Música pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane (ECA-UEM), a descreveu como um “soprano dramático”.

Onésia prosseguiu, comentando que Xixel Langa é “uma tempestade disfarçada de cantora com potência vocal e performance sem igual”.

Menina do bairro encanta

DOUTRO lado da cidade, no Centro Cultural Franco-Moçambicano (CCFM), uma menina de estatura baixa, mas de habilidade vocal a revelar-se, Assa Matusse, lançava o seu álbum de estreia “+Eu”.

Nascida e crescida no bairro de Mavalane, periferia de Maputo, destaca-se como promessa da música moçambicana, o que se evidencia na textura que as suas cordas vocais produzem.

Cordas de sisal, esticadas para o alto, instaladas no centro do palco, davam realce à luz no palco da sala grande do CCFM.

A banda que a acompanhava era constituída por Timóteo Cuche, no saxofone, Nicolau Cauneque, no teclado, Hélder Gonzaga, no baixo, Dodó, na guitarra, e dois coristas.

O repertório que explora diversos ritmos e géneros musicais, passando pelo afro-jazz, marrabenta, blues, jazz e diversas fusões, resultando no “world music”, foi composto apenas pelas músicas que compõem o álbum “+Eu”.

Num concerto em que a sua voz preenchia a sala e a energia contagiava uma plateia animada. A música fintava a temperatura baixa que teimava em não dar a guarda. A performance de Assa Matusse justificou o prémio Revelação Feminina no Ngoma Moçambique-2013.

Ficou claro que o trabalho de estúdio “escondeu” algumas das peculiaridades desta moça, que só ao vivo se evidenciam.

“+Eu” é um disco, em parte autobiográfico, na medida em que é a expressão, conforme disse em entrevista anterior, da sua personalidade e história de vida, embora tenha, ao falar de amor, quebrado algumas regras familiares.

Em “Menina do bairro”, letra que expõe as origens humildes da compositora, com um toque particular do “tenor sax” de Timóteo Cuche, a menina conduziu, cheia de energia, a plateia, ao embrenhar pelos becos de lata enferrujada que compuseram a sua infância.

Não deixa de chamar atenção o espírito de mulher independente nas suas músicas, o que, depois de interpretar “Estranho”, em “Fenomenal Woman”, voltou a estar em alta, uma vez que nesta música encarna a voz de uma mulher com a visão bem focada nos seus objectivos e que “don’t want west time with a wrong dude”.

Na música “+Eu”, que dá título ao álbum, a tendência não se altera, embora este já pareça mais a exposição do seu “eu”, enquanto indivíduo. Com a mão, de vez em quando, descalça, intimava a plateia ao rebolado.

Deste modo, sempre energético e animado, o espetáculo caminhou até ao fim, que foi marcado pelo tema “Carinho de Mãe”.

Este espetáculo, em função das temáticas exploradas no álbum e da origem suburbana da intérprete, prolonga o convite ao debate proposto pelo Festival da Mafalala, que na semana passada discutiu a preservação do Património Cultural da cidade, clamando à inclusão do subúrbio nas narrativas sobre a cidade de Maputo.

Assa Matusse, cantora e compositora de afro-jazz, nascida em 1994 na cidade de Maputo, marcou presença em concursos e projectos musicais nacionais e internacionais, tais como Prémio Revelação Feminina no Ngoma Moçambique-2013 (1.º lugar), concurso internacional “The Voice of Pangea”, realizado em Madrid (2016), entre outros.

Em 2015 foi convidada a fazer um intercâmbio cultural e seguir os seus estudos em música na Noruega, onde teve a oportunidade de fazer uma longa digressão, apresentando o seu primeiro álbum “+EU”.

 
*Texto publicado no Jornal Notícia na edição de 13/11/17
 
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Acredito que pequenos gestos podem mudar o mundo. Encontrei no Jornalismo a possibilidade de reproduzir histórias inspiradoras. Passei pela rádio, prestei assessoria de imprensa a artistas e iniciativas. Colaborei em diversas página culturais do país. Actualmente sou repórter do jornal Notícias. A escrita é a minha arma”.

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