O fim da epopeia: o héroi vai ser destituído

Em Belfagor, O Arquidiabo ou Fábula do Diabo Que Se Casou, conto escrito por Nicolau Maquiavel, os Juízes Infernais – Minos, Radamanto e muitos outros – dos subterrâneos reuniram-se para avaliar a razão de nos últimos tempos o inferno estar a receber cada vez mais homens com uma característica em comum: em vida terem sido casados com uma mulher. Ultrajados, não querendo crer em tamanha calúnia contra as mulheres, convocaram uma reunião na qual se deliberou importunar Plutão, a busca de uma solução.

Este último, ao receber a informação, canalizou o relato para a Assembleia dos Príncipes Infernais. Ao tomar a palavra, dirigiu-se aos súbditos, dizendo:

“Embora eu, caríssimos, por celestial disposição (…) seja soberano deste reino e (…) não possa estar sujeito a nenhum julgamento celestial ou mundano (…) vou ceder um tempo para ouvir as vossas sugestões”…entre outros blá-blá-blás.

O discurso visava levar aos participantes à crer que os permitir sugerir decisões é uma elevada honra que ele, Plutão, concedia.

À conclusão a que se chegou é de que teria que se enviar um Arquidiabo (os céus têm arcanjos) para durante 10 anos viver na terra como homem casado com uma mulher. Obviamente que, em função do contexto, ninguém tinha interesse em ir, pelo que, Plutão perguntou quem ousava questionar a sua sentença. O enviado, em 8 anos, a residir na Cidade de Florença, Itália, já tinha acabado toda a fortuna que lhe tinham entregue como “budget” para a operação. Estava em meio a dívidas e teve de fugir, comprometendo assim a missão.

Espantou-me a perversidade atribuída à mulher neste conto, atingindo o ápice quando a dado passo, um Arquidiabo terá dito que: “sua (da mulher) ousadia era capaz de desestabilizar até Lúcifer”.

Enquanto lia esse texto, já a Grace Mugabe ia dando nas vistas com os seus escândalos patéticos, na minha opinião, o que, inevitavelmente conduziu-me a observar as peripécias palacianas do Zimbabué com atenção acrescida.

Neste momento, calha-me então esse episódio cujo título ainda é uma incógnita, a medida em que não se sabe se há ou não há um golpe de Estado no Zimbabué, encontro-me na leitura de Macbeth, mais um rei (d)escrito por William Shakespeare. Nalguns pontos se cruzam, o personagem e Mugabe.

Macbeth começa com patentes no exército até que três bruxas o asseguram que ele estava destinado ao trono. Com ajuda da mulher, que o incita à crueldade, assassina o rei e toma o poder.

Na sequência, foram mortes e mais mortes bárbaras, com anuência da sua esposa, Lady Macbeth. Enquanto isso, do lado de fora do palácio era aclamado como herói pelo povo, que desconhecia o que se escondia por trás das paredes do palácio.

A medida que o tempo foi passando, Macbeth foi se tornando cada vez mais cruel e distante do povo.

Obviamente que um reinado conduzido à base da tirania têm poucas possibilidades de sobrevivência, Macbeth foi morto resistindo a deposição.

Robert Mugabe, antigo professor primário, torna-se relevante no processo de libertação da então Rodésia, hoje Zimbabué, depois de manifestar-se hostil ao regime racista conduzido por uma minoria branca. Foi acusado de propalar “discursos subversivos”.

Depois de 10 anos nos calabouços do regime, veio à Moçambique para com os seus correligionários conduzir uma guerrilha até o alcance da independência. A sua cúpula venceu. Mugabe tornou-se herói. Foi primeiro-ministro, de seguida, Presidente da República.

Aclamado e idolatrado pelos nativos, conduz uma expurga contra vozes contrárias às suas ideias. Expulsões do país, assassinatos macabros, prisões arbitrárias e demais barbaridades foram sendo os erros do antigo herói – actualmente um decadente presidente, visto como mais um ditador.

O cruzamento de ambos, Macbeth e Mugabe, está no facto de o cálice de que bebe estar recheado de sangue, causando dor e repulsa nos súbditos mais sensatos e atentos.

Ao que parece, depois de ter escapado a várias contestações, vindas dos mais diversos quadrantes, até porque terminou isolado, ao que parece, a sua derrocada acontece, justamente, quando uma mulher se envolve na narrativa.

Conforme os relatos que a media disponibiliza, as movimentações militares, a que hoje se assiste, no Zimbabué, resultam da recente destituição do Vice-presidente, Emmerson Mnangagwa.

O que corre pelo mundo é que Mugabe, dessa forma, abria as portas para a possibilidade da sua esposa (que ao que se diz, já não se encontra no Zimbabué) ascender ao poder, o que não foi recebido de bom grado pelos camaradas de trincheira, assim como, pelos já escassos aliados que o presidente possui.

Maquiavel e Shakespeare, neste sentido, encaixam-se àmedida na situação que Robert Mugabe se encontra, pese embora, claro, é preciso reconhecer, que esta pode ter sido, apenas a gota de água dos vários maus antecedentes que o antigo herói carrega na sua bagagem.

Os militares não assumem que se trata de um golpe de Estado, porém, o jeito como o processo está a desenrolar, respeitam em género e número com o figurino de um golpe de Estado. O que já se deduz, é que Mugabe seja forçado a abdicar da presidência do Zimbabué.

O facto é que ele está sitiado, o resto é apenas mera especulação. Mas a pergunta que não quer calar é: será desta vez que se efectiva a derrocada?

P.S.: Nada contra as mulheres, apenas trouxe o que me pareceu ser semelhante entre o que está acontecer no Zimbabué e ambos textos trazidos, de Nicolau Maquiavel e William Shakespeare.

lEONEL2

Acredito que pequenos gestos podem mudar o mundo. Encontrei no Jornalismo a possibilidade de reproduzir histórias inspiradoras. Passei pela rádio, prestei assessoria de imprensa a artistas e iniciativas. Colaborei em diversas página culturais do país. Actualmente sou repórter do jornal Notícias. A escrita é a minha arma”.

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