QUANDO MAPUTO DORME

Quando já o sol ronca, em Maputo, as prostitutas se acomodam, distribuídas pelas esquinas, suas praças de meretrizes, a espera dos machos (ou mesmos fêmeas, nunca se sabe!) sedentos do prazer proibido.

A cidade, como as mulheres da vida, fica seminua, coberta na silhueta apenas, pela luz da lua do verão. O amarelo que lhe inunda não é o das acácias regadas de urina, que distribuem suas flores pelos esburacados passeios. É dos candeeiros dispersos pela cidade rimando, sem discussão, com o vermelho e verde dos semáforos.

Quando a cidade dorme, os guardas – daqui e vindos de todo o país – jogam cartas e dama nos portões das vivendas e dos prédios, costurando conversas na sua língua que é uma das raízes que ainda os mantém de lá. O pedaço que resta da antiga identidade que se misturou na diáspora.

Maputo a noite é um piano leve de Freddy Cole cantando versos de amor perdido, algo próximo do blues. Claro que, sem ignorar, aquele hino do Hortêncio Langa, que diz “Maputo, u chonguilé demais”.

De noite, as ruas conseguem ser só elas e os edifícios que as rodeiam. A sua beleza floresce. A palidez dos prédios, sua vergonha, se camufla. Até os verdes contentores sem lixo, posto do lado de fora, ao seu redor, conseguem ser poéticos.

Os outros, quando Maputo dorme, fazem a oportunidade. No silêncio, exercitam suas habilidades, estuprando as grades do apartamento do quarto, do quinto andar, que é dividido por meia dúzia de indivíduos.

Contrariando os mitos tradicionais, segundo os quais “não se varre de noite”, as vassouras beijam os passeios, enquanto os carros recebem banhos plenos de quem lhes sente seus, na impossibilidade de um dia ter um.

Quando Maputo dorme, não vejo porquê invejar a cidade do centenário Frank Sinatra, aquela que como ele canta “never sleep“. Eternamente acordada. Maputo se embeleza, quando dorme.

Enquanto Maputo dorme, degustando atum, há quem, por baixo da mesa, em barcos pesqueiros, sonha com quantidades impalpáveis, não abstractas, de barras de ouro, que, nós os outros, só vemos a cor nos copos de cerveja do Mercado do Povo, sonhando com uma Black Label. Sua degustação é grátis, porém alguém terá que pagar o p(r)ato.

Nas grandes avenidas, cobertas de luz para ninguém, nos outdoors, os sorrisos se mantém estampados, mais vivos e expressivos que nunca. Dá pena aquela beleza não contemplada, quando Maputo, como os mendigos, ao relento, sob restos de caixas, asfalto, cimento dos passeios, dorme.

lEONEL2

Acredito que pequenos gestos podem mudar o mundo. Encontrei no Jornalismo a possibilidade de reproduzir histórias inspiradoras. Passei pela rádio, prestei assessoria de imprensa a artistas e iniciativas. Colaborei em diversas página culturais do país. Actualmente sou repórter do jornal Notícias. A escrita é a minha arma”.

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