Sibusiso Mash Mashiloane Cantar a cultura de um povo

 

SEUS irmãos mais velhos eram apreciadores de jazz e reproduziam vinis de Mariam Makeba e Abdulah Ibrahim. Na igreja, era o gospel que vertia na audição do pianista sul-africano Sibusiso Mash Mashiloane, que há semanas deu concertos em Maputo e Matola.

Sua primeira performance foi no Hotel Terminus, em Maputo, onde, habitualmente, as quintas e sextas há concertos de jazz, no programa “Only Jazz Without Stress”, produzido por Ginho Sibia, que, igualmente, os trouxe ao país.

Num ambiente descontraído, o trio denominado Sibusiso Mash, constituído por Dalisu Ndlazi, no baixo, Riley Giandhari, na bateria – ambos estudantes do pianista na Universidade de Durban – e Sibusiso Mash Mashiloane, exibiu a proposta que a sua música oferece, de através da estrutura jazz, recorrendo a um fraseado cujo vocabulário é sul-africano, explorar diversas possibilidades.

Em pouco mais de duas horas de performance, ficou claro ao que vinham, o que, no final, Sibusiso Mash Mashiloane confirmou: “viemos partilhar a nossa música com os moçambicanos”.

Na sexta-feira, a meio da manhã, para uma breve conversa, encontramo-nos na Fortaleza de Maputo. Feliz coincidência foi encontrar numa das salas um piano. Enfeitiçado, não resistiu e colocou-se, já sentado diante do instrumento, a descobrir melodias.

“Há muito que não toco num destes. No teclado, o exercício é maior. O piano convida e inspira”, disse, depois de ter descoberto uma música nova, estimulada por aquele contacto.

Ainda com um sorriso de uma criança que acaba de receber um rebuçado, explicou que o encanta a ressonância da respiração das cordas no interior daquela caixa preta de madeira.

Num ambiente acústico, as paredes, as janelas e os enfeites que adornam o espaço davam um ar épico a um encontro que era apenas para ser uma curta e breve entrevista. Com agilidade no movimento dos dedos, ia tornando aquele instrumento parte de si a cada toque. Era como se o pianista se reencontrasse consigo mesmo.

Primeiros passos

Voltamos ao tempo, para os primeiros passos pelos caminhos da música. Sibusiso Mash Mashiloane conta que foi na igreja que começou a executar o piano, nos finais da década de 90 do século passado. “Ainda na quinta classe eu já sabia que queria ser músico”, disse.

e.JPGEm sua casa tocava muita música. A família tinha nela mais um membro que sempre a acompanhava. Era essencialmente o jazz que se ouvia, mas, naturalmente, que na igreja era gospel que executava.

Entretanto, para além da sua casa, poucos, na região onde cresceu, na província de Mpumalanga, eram adeptos do jazz. O que mais se escutava era gospel, que, pelo que explicou, não era de grande qualidade. Servia apenas para alimentar a alma dos fiéis religiosos.

A adolescência foi sendo feita pelas pesquisas de música. Guiado pela curiosidade de perceber melhor as músicas que ouvia – até porque a experimentava sempre que se deparasse com um instrumento -, em 2003, ingressou para a Faculdade de Música.

O poder do tenor de John Coltrane, do saxofone de Bheki Mseleko, invadiu o “soul” do jovem pianista Sibusiso Mash Mashiloane, de tal forma que se percebe na sua execução, alguma queda para o vocabulário daquele instrumento de sopro.

“Foi um período intenso”, disse, situando que “nessa época ouvi muito saxofone”, em parte, devido à “espiritualidade de John Coltrane, que até me dava pesadelos, às vezes”.

As suas influências, assumiu, foram entrando na sua música de forma desinteressada, sem que se apercebesse de tal.

No concerto que deu no Hotel Terminus, em algumas notas, escapava alguma informação da música clássica, o que explicou resultar de algumas aulas que teve de modo a possuir controlo sobre o instrumento e ir mais fundo nas suas possibilidades.

Recordou que a sua primeira composição intitulava-se “Night as a day”. A mesma surgiu “depois de ter praticado o piano à noite toda, porque para mim é como se a noite fosse dia”. Sibusiso Mash Mashiloane explicou ainda que até hoje prefere trabalhar de noite, pois há silêncio e tranquilidade para criar a sua música.

Conforme salientou, entende que os seres humanos limitam-se ao pensar que apenas têm 8.00 horas diárias de trabalho, porque acredita que há muito mais forças a se explorar na espécie humana.

Confira a performance do Trio

Álbum de estreia

Em Dezembro do ano passado, lançou o seu álbum de estreia, “Amanz’ Olwandle”. O mesmo arrebatou dois prémios na primeira edição de Mzantsi Jazz Awards, nomeadamente “Melhor Álbum de Jazz Contemporâneo” (decidido por um júri) e “Melhor Álbum de Jazz” (votado pelo público). Os prémios visam reconhecer a excelência em música de jazz na África do Sul.

Esse projecto contou com a mão do contrabaixo moçambicano Ildo Nadja. A escolha para as colaborações, disse o pianista, foi feita em função da conexão que essas pessoas têm com o instrumento, que resulta de muito trabalho prático e ensaio.

“Busco pessoas que se ligam à música e que quando se dá uma oportunidade a solo, brilham”, disse, não se sentido satisfeito, acrescentou que “busco uma conexão espiritual que transcende a técnica, pois quero que todos contribuam para a música, o que a vai tornar mais natural”.

Enquanto concebia as músicas, narra, apenas apresentava a proposta do tema, o que era respondido pelos outros. Observou, nesse processo, os instrumentistas apropriaram-se da sua música e a trataram como se de propriedade individual fosse, o que permitiu mais fluidez.

O título em zulu “Amanz Olwandle”, traduzido para Português ficaria “Água do Mar”. Explicou que depois de praticar o piano pela madrugada. Por volta das 3.00 horas, pega na viatura e vai à beira-mar à busca de paz. O título é um tributo a esse hábito.

O álbum é um passeio pelo jazz contemporâneo, fusão com hip-hop, jazz tradicional e gospel, essencialmente. A proposta, assume, não foi bem aceite na África do Sul, pelo facto de “nós termos saído dos padrões. Eu quis explorar a liberdade de incorporar novas tendências e o que eu sinto sobre o jazz, mas não fui bem percebido”.

Tributo a Rotha

Depois de um dia exausto a gravar o seu segundo álbum com os seus pupilos, que compõem o Sibusiso Mash Trio, nomeadamente Dalisu Ndlazi (baixo) e Riley Giandhari (bateria), recebeu a triste notícia da morte da sua mãe. Daí o titulo “Rotha – A Tribute to Mama”. Foi lançado em Agosto.

Por alguns instantes, o sorriso escapou-se, baixou o rosto e levou a mão à cabeça. Quando se reergueu explicou que deste projecto constam composições de 2003, as suas primeiras, e que se no primeiro buscou trabalhar com músicos já consagrados, neste apostou em novas promessas.

Confira a performance do Trio

Elevar a sua cultura

Sibusiso Mash Mashiloane disse que na música busca “conectar as pessoas a Deus”, uma vez que a mesma resulta das “minhas meditações”, até porque assim as define. “Meu desejo é que as pessoas se conectem a si mesmas”.

Vê-se como mero objecto da divindade. Na verdade, acredita que é um instrumento que “Deus” usa como “mensageiro” e cabe a ele apenas difundir a mensagem através da música. Daí que reduz o seu papel no processo de criação.

Por outro lado, encontra na música um veículo para “partilhar a cultura” do seu país e do seu povo.

Sonoridades sul-africanas

TRIO (1).JPGA tarde já caminhava para o fim quando, no domingo, o último concerto começou, no Núcleo de Arte, em Maputo.

Mash conduzia um teclado Roland, RD700GX, donde brotava um vocabulário que se apropriou do saxofone para construir um discurso próprio.

Em permanente diálogo com o baixo de Dalisu Ndlazi – um jovem prodígio – e uma bateria sempre intensa, o piano indicava o caminho, propunha os temas e cada integrante respondia seguindo a sua direcção para, no essencial, culminar no mesmo destino.

Depois de “Night as a day”, Mash apresentou a banda à plateia e voltou à carga com um fraseado que exala os ritmos tradicionais da África do Sul, seguindo, sobretudo, padrões estéticos importados do jazz.

A meio da performance colocou a plateia a “courar”, em obediência às notas que o seu teclado libertava. “They wanna do a revolution”, é o que se aprazia dizer naquele momento.

O baixo ombreava com o líder sem nenhum manifesto de submissão, respondendo aos seus estímulos e arrastando para a voz das suas quatro cordas uma infinidade de argumentos. Era a tradição dos “cunhados” ali patente naquele instrumento de Dalisu Ndlazi.

O trio abrandou, “this is painfull”, disse um dos convivas depois da violência a que tinha sido submetido instantes antes. Nessa altura, o piano e o baixo choravam, enquanto na bateria Riley Giandhari dramatizava a pintura que aquelas colorações sonoras faziam.

No intervalo, Dalisu Ndlazi revelou que “nós fazemos a música naquele momento. É algo espontâneo”, claro que a obedecer um mapa já pré-estabelecido, cabendo-lhes criar em cima disso.

E a noite mergulhou adentro…

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