Nem todos são bons pastores

A DISTÂNCIA entre a pobreza material e o desespero é ténue. Esta condição económica deixa as pessoas vulneráveis a vibrar com qualquer faísca que se pareça com luz no fundo do túnel. Atentos, os vigaristas aproveitam-se disso.

Não constitui novidade para ninguém que no actual sistema económico, o capitalismo, tudo tem um preço monetário. O “tudo” a que nos referimos inclui, inclusive, as relações humanas que, com raras excepções, são condicionadas com o poder aquisitivo de uma das partes. É neste contexto que parte significativa de gente desprovida de bens monetários tem na crença divina o seu último alicerce.

E hoje possuir dinheiro constitui razão para se ver rodeado de pessoas e benesses, daí que todos mergulhamos nessa luta desenfreada pela busca do capital.

Nesse sentido, enquanto alguns ainda se perguntam qual é o melhor caminho para se alcançar esse desejo, há quem apenas observa para perceber como lucrar, de forma fácil, com esta necessidade.

Há que, em parte, elogiar a inteligência desses observadores, porém lamentar que a usem para alimentar a sua astúcia.

Com mestria, esses observadores, vestidos de pastores, transportando uma bíblia numa mão e noutra uma cruz, fizeram-se à rua distribuindo, numa primeira fase, gratuitamente, o verbo, em discursos que apelam à reconciliação com o divino. A sua estratégia foi simplesmente reforçar a crença de que é nos terrenos celestiais que se elaboram projectos positivos para as nossas vidas.

Ao perceberem que já tinham um rebanho significativo, passaram para a segunda fase da sua estratégia.

Os observadores argumentaram que o momento de encontrar os gestores celestiais não poderia continuar a ser por baixo de uma mangueira ou no fundo de garagens, daí a necessidade de se contribuir com o dízimo, até porque o pastor não tem outro emprego se não o de colher almas para o paraíso, pelo que o rebanho deveria apoiar no seu sustento.

À medida que o tempo foi passando, com grandes edifícios já levantados, foram encontrando-se outras estratégias para recolher o pouco que estas almas possuem. E assim ainda se vive nos nossos dias.

É preciso reconhecer a sua habilidosa capacidade de persuadir e de movimentar muita gente. Porém, por outro lado, a desatenção desta legião não pode passar despercebida.

Muitos são arrastados com a falácia de que basta depositar todas as suas crenças nos seres celestes que está tudo resolvido. É só se aconchegar na poltrona e aguardar que, milagrosamente, tudo irá acontecer. Com a supervisão do pastor, claro.

É estranho que esta legião ignore o ditado que “Deus ajuda quem cedo madruga”. Ou talvez ignoram que, ao se levantar, não se deverá limitar a rezar. Há que trabalhar, correr atrás dos seus objectivos, colocar a mão e a mente a trabalhar.

A eles então sugerimos este outro ditado, “está certo que Deus ajuda, mas também há que transpirar”, o que significa que há que se esforçar para que as coisas aconteçam, para que haja comida nas nossas mesas temos que ir à machamba com enxadas, temos que ir à capoeira espreitar o crescimento dos pintos, ir ao pasto alimentar o gado.

Não estamos cá a apelar para que se tornem ateus, longe de nós, estamos, isso sim, a apelar para a consciência de que o único caminho para que as coisas aconteçam, para que haja desenvolvimento, é arregaçar as mangas e apostar no trabalho. Talvez assim, os milagres ocorram, doutra forma.

É preciso ajudar a Deus a nos ajudar…

*Publicado no Jornal Notícias edição de 02/09/17
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Acredito que pequenos gestos podem mudar o mundo. Encontrei no Jornalismo a possibilidade de reproduzir histórias inspiradoras. Passei pela rádio, prestei assessoria de imprensa a artistas e iniciativas. Colaborei em diversas página culturais do país. Actualmente sou repórter do jornal Notícias. A escrita é a minha arma”.

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