Poesia

Por Elton Pila
O céu acinzentava-se. A lua brilhava. Sopravam ventos frios. Então, deixamo-nos dentro dos cobertores, nossas pernas entrecruzadas, aquecíamo-nos.
Líamos poesia. Líamo-la em voz audível como se nos fizéssemos declamadores. Nós que odiamos esta profissão de dar vida aos textos em voz alta. Temos nossas razões. Tudo culpa daqueles jovens que na ânsia de dar sentimento aos versos tornam-nos imperceptíveis, transfiguram as vozes, numa metamorfose falhada em que a lagarta não chega à borboleta.
Líamos poesia como se prosa fosse. Líamos os versos como se períodos fossem. Não nos deixávamos respirar até sentirmos alcançado o sentido da frase. Numa destas vezes, a frase fez-se demasiado longa que fiquei ofegante. Você sorriu. Seria engraçado, s’eu morresse a ler poesia, admito.
Afinal, chegou tua vez. Mas ignorei o texto. Atentei-me a tua boca. Teus lábios nus de batom, mas com o rosado vivo, abriam-se e fechavam-se, nisto chegavam ao meu ouvido, levemente, versos de Rui Knopfli. Lias Vento da tarde. Mas era noite. Coloquei-me, no meio dos teus braços, entre o livro e o teu rosto. Beijei-te. “E a poesia?”, perguntaste. Podemos vivê-la, respondi.
 

eLTON pILA2

Sonha em mudar o mundo. Acredita no jornalismo e na literatura como agentes desta mudança. Colabora em alguns jornais, revistas e festivais de literatura. Actualmente, é redactor da Revista Literatas e tem a coluna semanal Como Sopra o Vento
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