Humanismo

Por Elton Pila

No álbum Preto no Branco de Boss Ac, lançado em 2009, entre várias participações, chama atenção, uma, talvez, improvável para época, do rapper Valete, na faixa Break U que, também, conta com a participação de Olavo Bilac.

Os dois rapper’s versam sob uma produção, ainda que se queira rap, com pujantes acordes de guitarra que nos empurram para o rock. A instrumental, até barulhenta, parece suplantar os versos. Talvez por isso, volvido algum tempo, Valete faz a remistura desta faixa, intitulando-a “O Mundo Muda a Cada Gesto Teu”. Já sob uma produção mais suave, onde a letra, ligeiramente modificada, brilha mais.

Esta faixa reitera o comprometimento de Valete por um mundo mais humano. Uma preocupação que tem os primeiros vestígios, nos primeiros álbuns, Educação Visual (2002); Serviço Público (2006), ainda que nestas obras sobressaísse a ideia de um alvo a abater: o Sistema, sobretudo, o capitalista, como caminho para um mundo mais humano. Esta preocupação viria a ser retomada, anos depois, em faixas como “Bolas e Consciência”, “Entre as Labaredas” e, mais recentemente, em “Poder” e “Rap Consciente”, polémicas à parte.

O Mundo Muda a Cada Gesto teu” é uma ode à compaixão (logo, ao humanismo), mas não compaixão enquanto pena como a sociedade contemporânea parece querer convencionar, mas compaixão enquanto compreensão emocional da dor alheia, enquanto sofrer com o sofrimento do outro e, sim, porque não, enquanto desejo de aliviar a dor do outro. Este sentimento que nos torna humanos, que diferencia ser humano (dimensão natural, biológica) do ser humano (dimensão emocional, sentimental).

É gritante, no nosso tempo, a indiferença do homem perante o homem. Não nos reconhecemos, enquanto homens, noutros homens. Levantamos murros, acomodamo-nos numa bolha e assistimos a “decomposição do planeta”. Mas “Será que consegues viver assim sem remorsos/Quando vês a fome a adormecer aqueles olhos/Quando vês o sangue a alagar a terra daqueles povos/ E a deixar tudo resumido ao desespero e destroços”

Recentemente, as redes sociais e os meios de comunicação social tradicionais partilharam um vídeo que mostrava uma “espécie de militares” humilhando garimpeiros. Sim, garimpeiros, porque, quando a brutalidade, o desumanismo chegam ao cume da montanha, não faz sentido que nos coloquemos a falar de legalidade. Assistimos, outra vez, a espetacularização do sofrimento alheio. Mas “O que é que há para sorrir, quando meio mundo sangra?”. Humanismo precisa-se.

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