Casal Palavrakis: Ódio, amor, traumas e filho

Por Elton Pila

O ódio causado por uma infância traumática une um casal que, entretanto, divide-se pela perspectiva de ter um filho. A peça “O Casal Palavrakis” mostra-nos duas formas diferentes de lidar com traumas. O texto é da espanhola Angélica Liddel, encenado e adaptado por Venâncio Calisto.

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Na pré-temporada do Festival Internacional de Teatro de Inverno, FITI, a representação de “O Casal Palavrakis” contou com meia dúzia de pessoas na plateia. Número de espectadores desajustado à dimensão da representação. Depois, a peça foi levada à Beira. O grupo Katchoro Khupaluxa ainda viajaria para o Brasil para representar “Qual é a Sentença? A Mulher que Matou a Diferença”. Três dias volvidos, no solo pátrio, sem acusar cansaço, o grupo estava no Palco do Centro Cultural Franco-moçambicano para representar “O Casal Palavrakis”, com um texto ligeiramente alargado para um público que, já fazia justiça ao espectáculo.

Elsa e Mateus formam “O Casal Palavrakis”. Os dois foram vítimas da violência na infância perpetradas pelos seus progenitores. Por isso crescem odiando-os, odiando o mundo e odiando a humanidade. Este ódio é celebrado, une-os, embala o amor-sentimento e o amor-fazedor-de-descendentes.

A trama desabrocha a partir da perspectiva do nascimento de um filho. Abre-se um fosso entre Mateus e Elsa, apresentando-nos o antagonismo do casal e escancarando as feridas de uma infância traumática.

Por um lado, Mateus que não quer ter filho e que acredita carregar o mal do seu progenitor nas veias. Não sendo capaz de dar o que não recebeu, para ele ter um filho é insensato, é brutal, é irresponsabilidade. “Tenho a impressão de que, se trouxermos um filho ao mundo, vamos apodrecer a humanidade inteira” diz a dado momento.

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Por outro lado, Elsa acredita que um filho pode colorir a humanidade cinzenta, pode amenizar a crueldade do mundo e garantir a eternidade dos progenitores. “Precisamos de filhos lindos para vencer a morte” grita.

São estas as desavenças que alimentam a trama. A ternura, a dor, a alegria, o ódio e o amor são palpáveis em cada palavra dita por Assucena Daniel (Elsa) e Sidónio Mondlane (Mateus).

A peça não tem uma apresentação linear, avança e recua. Para perceber as atitudes de Elsa e Mateus, o espectador é levado para o passado, presente e futuro dos personagens. Na reconstrução da história, o espectador há-de ser confrontado com os demónios e anjos dos protagonistas que também são os demónios e anjos da sociedade contemporânea.

A trilha sonora, mais do que um elemento acessório/estético, nesta peça afigura-se fulcral, completa o sentido dos diálogos e das acções. Quando os actores deixam-se em silêncio, movendo-se apenas, o som verbaliza o que os actores preferem não expressar.

Elton Pila

Sonha em mudar o mundo. Acredita no jornalismo e na literatura como agentes desta mudança. Colabora em alguns jornais, revistas e festivais de literatura. Actualmente, é redactor da Revista Literatas e tem a coluna semanal Como Sopra o Vento

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