ASSA MATUSSE E O DISCO “+EU” A menina de Mavalane que quer fazer história

 Por Leonel Matusse Jr.
OS periféricos bairros da Mafalala e Chamanculo, na cidade de Maputo, viram nascer poetas, políticos, músicos e futebolistas que conquistaram espaço no país e não só, mas “de Mavalane, que eu saiba não há ninguém”, disse a jovem intérprete e compositora Assa Matusse, de apenas 22 anos de idade. A sua pretensão é inaugurar essas páginas em branco e fazer história, através da sua música.
ASSA (1)
A sua trajectória começou quando se inscreveu no Instituto de Línguas para aprender Inglês. Com apoio financeiro do produtor Zé Pires (da extinta banda Kapa Dech), entrou para a escola “Musiccrossroad”, com o intuito de aprender música. Por ironia do destino, passaria por lá o director de uma escola de música norueguesa, que a convidou a estudar na instituição que dirige.
“O meu objectivo, ao entrar na escola de música, era aprender a tocar piano e guitarra, devido à tese de que um bom cantor precisa ter domínio de algum instrumento musical”, revelou.
Mas, na verdade, existia outro interesse, produzir o seu álbum de estreia, intitulado “+eu”, que já se encontra nas prateleiras. O projecto ainda não foi lançado, sendo que a previsão é que tal aconteça em Abril, com data ainda por anunciar.
No primeiro contacto para esta entrevista, disse que se sentiria melhor a conversar na sua casa ou no estúdio, dois locais que fazem o seu universo.
Sentada, diante de um teclado Yamaha, castanho, com uma pauta à meia distância, na sala de voz do “Musiccrossroad”, a jovem contou que cresceu ouvindo o seu pai, Raimundo Matusse, a cantar composições próprias e mais tarde viu os seus irmão mais velhos a aventurarem-se no rap.
Explicou que, às sextas-feiras, na sua casa se organizavam shows, onde se apresentavam. Ofereciam-lhe, às vezes, letras para interpretar. Tanto o pai, quanto os irmãos sonhavam eternizar as suas músicas num álbum. Entretanto, devido a limitações financeiras, abdicaram deste anseio. Era preciso priorizar as necessidades básicas que a família tinha, no bairro de Mavalane.
“Mas eu consegui levar um disco para casa. Este disco não é só meu. É também do meu pai, dos meus irmãos. É da minha família”, orgulha-se. Lembra-se, entretanto, que o pai não queria que ela apostasse na música, mas gradualmente foi percebendo que do destino não se foge.
O “+eu” tem 14 faixas e uma música bónus, que exploram o universo afro jazz, jazz e muito fusion. Se se quiser definir numa só palavra, sob ponto de vista estético, é música do mundo.
Composições do pai
Na sua voz melódica, Assa Matusse fez saber que recorreu a algumas composições do pai e de um jovem músico, o Deltino Guerreiro. Mas contou com os subsídios dos produtores Nelton Miranda, Zé Pires, Anne Marthe e Elias Holove.

Do pai gravou “Xihona” (faixa3), em que fala de pessoas do bairro que se entregam à fofoca e maldizem dos outros. “É dedicada a pessoas que estão sempre a tirar defeitos e a atribuir culpas sem fundamento aos outros”, explicou a jovem artista.
Numa altura em que se regista um êxodo rural cada vez mais acentuado, o que resulta na redução dos produtores de alimentos para abastecer as cidades, a jovem cantora interpretou ainda “Pfukani” (6, também do pai). Trata-se este de um apelo para a necessidade de algumas pessoas se dedicarem à produção agrícola.
Argumentou que uma sociedade não só é composta por doutores. “A escola não é o único caminho para o desenvolvimento de um país. Há que equilibrar”, entende Assa Matusse.

Mas, para ela, a que tem um significado mais apelativo é “Nitxintxile” (4), pelo facto de contar as peripécias do seu progenitor na vizinha “terra do rand”, onde residiu por algum tempo e a trabalhar nas minas. Por não ter vivido esta fase, o pai dedicou-lhe esta canção para que ela, ao ouvir, ficasse à par do seu percurso. Explica ainda que, ao analisar a estória, percebeu que em algum momento a vida dos mineiros nos últimos tempos tem sido penosa, contrariamente ao que acontecia no passado.
ASSA (4)
A vergonha de compor
letras sobre o amor
AS famílias religiosas tendem a ser conservadoras. Não foi diferente com a da Assa Matusse. Alguns assuntos, como o amor entre homem e mulher, eram tabus na sua casa. Resultado: sente-se constrangida de escrever sobre o assunto, embora aprecie.
Coube então a Deltino Guerreiro compor “Vai” (11), “Romeu e Julieta” (10) e “Estranho” (8).
Mergulhada num sorriso com um misto de vergonha, vestida de timidez, explicou que sente um certo embaraço ao ouvir algumas das suas músicas na presença dos pais e irmãos mais velhos. A sua cabeça, nessas situações, emerge o pai, com um olhar nada católico a perguntar: “já começaste a namorar, nem?”.
Por conseguinte, precisou de recorrer ao piano, donde libertou algumas melodias para se lembrar do que retrata a música “Romeu e Julieta”. Na verdade, a semelhança da peça do inglês William Shakespeare é uma estória de amor, mas quebrou-se, e “ninguém morreu”, adverte a jovem, a sorrir.
O casal, continuou a intérprete, apenas caiu na rotina, como tantos outros e essa situação, embora muito se amassem, deu cabo da relação.
Por sua vez, “Vai” é o retrato de uma mulher cansada de aturar os maus-tratos do parceiro e quer romper com a relação. Esta música, das três do cunho de Deltino Guerreiro, é a que mais se aproxima ao ADN do compositor, em termos de tonalidades e, em algum momento, suscita a ideia de resposta ao tema “Deixa esse aí”.
“Estranho” é a que tem uma história peculiar. “O Deltino estava com a letra há dois anos, mas apenas tinha escrito a primeira estrofe e não conseguia avançar, logo que ouvi sugeri um coro e a música saiu. Ele mesmo completou”, narrou.
Em todas as composições que não são suas fez os arranjos pessoalmente, para que se adequassem ao seu estilo.
Inspirada em Asa e Lira
É EVIDENTE que as cantoras Lira, sul-africana, e Asa, nigeriana, são a sua inspiração. Tal evidência se nota no seu timbre e arranjos. Mas Assa Matusse justifica: “um dia, casualmente, assisti a um espetáculo da Lira na televisão, encantei-me e fui pesquisando mais sobre ela”.
Já, Asa? – questionámos. “Aprecio a sua capacidade de, não cantando no tom padrão, fazer o que ela faz com a voz”. Revelou ainda o seu deleite por Fany Mpfumo, Madala e o sul-africano Hugh Masekela.
*Publicado no Jornal Notícias de 15/03/17
 
 

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