DELTINO GUERREIRO O reconhecimento é uma grande lição

Por: Pretilério Matsinhe

“Sei que há uma só liberdade: a do pensamento”, reza um provérbio secular. Deltino Guerreiro serve-se dessa máxima para expressar o seu pensamento perante os outros com tranquilidade, levando em diante os seus projectos artísticos e pessoais.


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Vive num dos bairros periféricos da cidade de Maputo. Todos os dias, quase que de costume, pensa seriamente na sua arte, a música, que defende que deve ser capaz de alimentar a alma das pessoas, sobretudo quando se deixa interpretar livremente por quem a escuta, permitindo uma viagem única. Já foi dançarino, mas abandonou a arte. Actualmente considera-se mais compositor que intérprete.
Diferentemente de muitos, acredita na educação da sociedade para o consumo de todos os estilos musicais, a começar pelo jazz standard, terminando mesmo no afro soul, seu estilo predilecto. Deltino é um jovem cantor firme nas suas ideias, fala com cautela, porque, como entende, “não se deve ferir sensibilidade de ninguém”, mas acredita que a arte e, a música em especial estaria num patamar inquestionável se houvesse um investimento a sério na área.
“Se tudo começasse no ensino primário já estaríamos avançados, as crianças chegariam na secundária já a saberem o que é bom e o que é descartável. Mas isso só pode acontecer com outras gerações se se introduzir seriamente o ensino de música nas escolas. Por agora a sociedade não sabe seleccionar. Escuta, muitas vezes, música sem qualidade”.
O fruto do seu trabalho já está se fazer sentir. Participou, há três semanas, na recriação da sua música intitulada “Sonho”, com a artista Joss Stone. No próximo dia 28 vai realizar um concerto no Casino Polana. Deltino voa.
Ano passado, Guerreiro lançou o seu primeiro álbum de originais intitulado “Eparaka” (bênção, na língua portuguesa). Já amealhou prémios no Ngoma Moçambique, uma das maiores e prestigiada premiação no que diz respeito à música nesta “Pérola do Índico”.
Ainda assim, Deltino Guerreiro vive fugindo das chamadas. Raramente atende o celular. Sereno, no esplendoroso, resolveu abrir o livro da sua vida para contar um pouco da sua história. A conversa devia ter acontecido no Centro Cultural Franco-Moçambicano (CCFM), mas acabou mudando de ideias. Coisas de artistas!

DEUS E AMOR

AO PRÓXIMO

O álbum “Eparaka” foi lançado em Fevereiro do ano passado. Segundo revelou, é fruto do trabalho que vem realizando no seu dia-a-dia e, sendo seu primeiro trabalho discográfico, preferiu cantar todas as músicas sozinho.
“É o meu primeiro álbum de originais, fruto das minhas pesquisas e inspirações. Preferi não convidar ninguém para participar, porque o mundo pensaria que se trata de colinho, de comboio e que eu, como sou ainda muito novo, teria encontrado o trabalho já feito e me atrelei aos mais velhos”.
“Eparaka” é composto por 10 faixas cantadas em português, inglês e macua. “Quando concebo uma música num determinado momento é porque deve sair como foi pensada na ideia inicial e não me atrevo a mudar de língua”, contou, acrescentando que é influenciado pelo grupo West Life e nutre admiração pelos artistas Stewart Sukuma e Jimmy Dludlu.
No álbum, ele canta o amor, não aquele entre um homem e uma mulher como ele mesmo faz questão de repisar, mas o sentimento que existe ou que pelo menos devia existir entre os Homens. O exemplo disso pode-se notar na música intitulado “Sonho”, na qual ele transporta a esperança de viver dias melhores, de ganhar dinheiro e poder um dia fazer viagens dos seus sonhos.
“É um pouco disto, um amor de correr atrás dos sonhos, apesar dos constrangimentos, há sempre ali uma ideia de que não deve desistir, um sonho de ter um futuro melhor, de dar aos filhos o que não tive, e isso sempre se reflecte, em parte, na sociedade. Um sentimento que não espera ser retribuído.”
São no total quatro faixas dedicadas ao amor. Há também um grito contra a violência doméstica na música “Deixa esse aí”, na qual chama atenção à sociedade para o reconhecimento dos valores da mulher. “As pessoas devem entender que por mais que alguém pertença a que classe social que seja pode sofrer violência doméstica e eu chamo atenção para que recorra às entidades, que denuncie, que entenda que está na hora de abandonar o sofrimento”, sublinha.
Esse grito de chamada de atenção e os cânticos de amor, prossegue, desembocam em Deus, na música que dá título ao álbum, porque o nosso entrevistado entende que os bens materiais não devem nortear o ser humano.
“As pessoas sempre querem aparecer, viver de aparências, mas a bênção vem de Deus, esse único que nos garante tudo. É por isso que mesmo na música “Se eu te dissesse”, a crítica vem mesmo para reafirmar a ideia de que o amor genuíno se está a perder e se estão a esquecer de Deus”.

INSTRUMENTISTAS

CINCO ESTRELAS

A produção do álbum é da responsabilidade da Congolote Record, mas algumas faixas tiveram antes alguns toques de Zé Pires. As músicas foram gravadas ao vivo, com participações de músicos e instrumentistas como Milton Gulli, que também teve a responsabilidade de fazer os arranjos das músicas. A percussão esteve a cargo de Samito Tembe, dono do Projecto Açúcar Castanho. O baixo ganhou sonoridade na pessoa de  Hélder Gonzaga.

Sobre as vendas não faz a mínima ideia: “Os dados estão com a produtora”, revela. Deltino confessa que é ambicioso a ponto de considerar que as mais de 13 mil visualizações no Youtube ainda não são satisfatórias. “Mas como não se trata de música popular até me conforta”.

“MELHOR VOZ ”

NÃO SUPERA

 “REVELAÇÃO”

 Com apenas 26 anos, já foi distinguido duas vezes pelo Ngoma Moçambique, em 2015 na Categoria de Artista Revelação e 2016 Melhor Voz. O nosso entrevistado tem noção do significado que esses prémios significam na sua carreira.

“Foi uma enorme satisfação ter ganho os dois prémios, mas o primeiro sempre nos marca mais. Para mim, o segundo não supera o primeiro, só se arrebata Prémio Revelação uma vez na vida, embora o de Melhor Voz também seja muito significativo. Em parte isso é uma grande lição”, observa Guerreiro, para quem os prémios são importantes por serem concorridos a nível nacional.
Já participou em dois festivais, nomeadamente o AZGO e o da Festa da Música. Sonha, naturalmente, com viagens, até porque até hoje só conseguiu ir a Zimbabwe para participar num workshop. Sinto que as coisas se estão a tornar cada vez mais sérias, anota.

Do Hip hop AO Afro-soul

Deltino Guerreiro nasceu no distrito de Montepuez, na província de Cabo Delgado. Filho de Jaime Momade, um militar reformado, e de Arminda da Luz, trabalhadora do sector informal, é o primeiro filho do casal e cresceu rodeado dos seus cinco irmãos. Mudou-se para Nampula para viver com a mãe e foi lá onde começou a dar os primeiros passos na música.
Iniciou seu percurso musical fazendo Hip hop com um grupo de amigos que se juntavam todos os fins-de-semana para cantarem. Contou que tinha uma paixão profunda pela poesia, uma das primeiras artes por que se entusiasmou antes de engrenar no Rap. Nos momentos em que conseguia se isolar do grupo, escutava músicas românticas.
Tentou também se aventurar na passada, mas existiam outras inspirações que falavam mais alto dentro dele. Até hoje ainda escrevo algumas músicas que não são do meu estilo, mas não posso cantar, ainda estou a pensar a quem irei oferecer. Acho que essa coisa de Afro soul estava mesmo dentro de mim, mas não sabia o que era. Milton Gulli é quem descobriu logo o que realmente eu cantava.
Formou o grupo de Rap com amigos, o B Star. Foi membro da P Records, uma banda também de Rap. Em 2011 mudou-se para a capital do país com o intuito de frequentar o ensino superior.
Quando cheguei a Maputo vi um anúncio sobre o show de talentos, concorri e ganhei. Foi ali onde fui descoberto, embora já vinha cantando. Formei-me em Economia e também frequentei a Escola de Música, onde aprendi a tocar guitarra. Quando vim para cá a ideia era mesmo sobressair na música, mas tudo aconteceu tão rápido (e ri-se).

SEGUNDO ÁLBUM

ESTÁ A CAMINHO

Deltino Guerreiro está  a preparar aquele que será o seu segundo disco. Segundo contou a nossa equipa de reportagem, já tem quatro músicas para fazerem parte do mesmo, para além das que não puderam figurar no primeiro álbum. A perspectiva é disponibilizar o trabalho no mercado logo no princípio do próximo ano.  O álbum poderá contar com participações do rapper Azagaia e Assa Matusse.
Este ano pretende lançar três singles. As músicas, garante, já estão escritas, e poderão estar no mercado em finais de Março. Segredou-nos que pretende trabalhar com Nelton Miranda e Hélder Gonzaga.  E justifica porquê: “Estes instrumentistas, estes artistas, têm  uma visão ampla sobre a música. Só não gravamos em Dezembro porque estavam no processo de mudança de estúdios.

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