ENTREVISTA: A pintura poética e feminina de Chica Sales

CHICAAs obras de Francisca Sales Machado (Chica Sales) têm um toque suave de Moçambique. Os contornos do corpo feminino, a sensualidade, a dor, a alegria, a tristeza e felicidade da mulher ganham vida nas telas de Sales. O quotidiano, o dia-a-dia do nosso país é transformado em arte.
Há cerca de 20 anos que ela expõe. Activa, no seu currículo conta com mais de 30 exposições (colectivas/individuais) em Moçambique e além-fronteiras. Há cerca de dois anos longe da terra que a viu nascer, Chica Sales regressa para homenagear a Mulher Moçambicana em exposição individual patente no Centro Cultural Brasil-Moçambique desde Março.
O sorriso de Chica Sales é contagiante. A sua alegria é uma marca. Num tom descontraído, fomos percorrendo nas telas que a compõem a vida desta artista plástica e poetisa de mão cheia.
– Chica Sales já expôs em quatro continentes: África, América, Europa e Ásia. Qual é a sensação de expor na terra que a viu nascer?
– É sempre bom retornar. Expor em Moçambique é um prazer. No dia do lançamento da mostra tenho a oportunidade de ver os meus amigos e conhecidos. Recebo abraços calorosos de meus amigos, familiares e vizinhos. Gente que admira o meu trabalho. O calor da casa é diferente.
– Como surge o convite do Centro Cultural Brasil-Moçambique (CCBM)?
– Venho trabalhando com o CCBM há tempos. Quando fui chamada para fazer a exposição recebi o desafio de bom grado. Fui ao meu arquivo e encontrei obras relacionadas com o tema. Na exposição trago os sentimentos das mulheres. Em obras a preto e branco e a cores.
– Como inicia a sua carreira artística?
– Pintava, mas de forma não profissional. Eu e meu primo éramos uma dupla, unidos pelas artes; éramos muito atrevidos no que fazíamos. Graças a esse atrevimento, sem medo, apresentámos a nossa primeira exposição em 1996. Éramos apaixonados pela pintura e pela decoração. Sou uma apreciadora de música e ele é instrumentista. A exposição focou esses três pontos: pintura, decoração e música.
– Como foi a recepção do público?
– Recebemos muitas críticas positivas e outras destrutivas. Como somos “relaxados”, recebemos as críticas negativas na desportiva e não nos deixámos abater. Depois da exposição tive uma conversa com Naguib, renomado artista plástico, e ele predispôs-se a ajudar-me. Ofereceu-me um dos seus alunos, Romão (já falecido), para ensinar-me a usar a tinta. Fiquei a observar por duas horas e logo captei as técnicas.
A alma das obras – O que traz nas suas pinturas?
– A mulher é a minha inspiração. Minha mãe é a minha fonte inspiração. As histórias da infância dela marcaram-me. Ela contava-me que enfrentavam vários desafios, acordavam enquanto só existia a lua a iluminar. Carregava a sua criança ao colo e enfrentava uma longa caminhada à procura de água. Estas batalhas, esse dia-a-dia das mulheres, são alguns dos temas das minhas obras. Não pinto só tristeza, o amor também está nas minhas telas. Pinto mais mulheres, mas também retrato outros aspectos da sociedade.
– Nas suas pinturas, a mulher aparece na maioria das vezes em movimento. Porquê?
– A mulher está em movimento. Sempre em busca de algo. A vida da mulher é uma constante busca. Ela busca alimentar os seus filhos. Ela busca água para a sua casa. Ela busca a felicidade em sua casa e para a sua casa.
– As suas obras são uma mistura de várias técnicas que apreendeu durante estes cerca de 20 anos de carreira. Fale-nos das suas técnicas.
– Nas minhas obras, por vezes trabalho com acrílico, aguarela e lápis. O lápis para mim é mágico, além de me permitir fazer rectificações, ele capta cada detalhe, cada contorno, cada sentimento.
– Quais são os prazeres que a arte lhe oferece?
– Quando pinto, esqueço o relógio, perco a noção de tempo e espaço. Só não esqueço de comer, pois sou gulosa (risos).
– O que faz sentir em suas pinturas o sabor de África?
– É algo natural. Ao pintar a mulher, por exemplo, pelas suas vestes, gestos e outras características, fica evidente que ela é de África.
Sales além-fronteiras
– Ainda tem memória da sua primeira exposição fora de Moçambique?
– A minha primeira exposição internacional foi na África do Sul, em 2002. Fui vencedora do Prémio MÁ África -Arte e Comunidade Benoni -África do Sul. Na África do Sul tenho o meu espaço conquistado. Lá exponho regularmente. Depois desta exposição não parei, expus na Zâmbia, Brasil, Alemanha, Espanha, Macau, China, Argélia, Estados Unidos da América. Em algumas exposições internacionais não tive o prazer de estar lá fisicamente, por falta de patrocínios, mas minhas obras representaram-me.
– Quais os ganhos que tem destas experiências internacionais?
– A coisa mais importante são os workshops. Neles tenho a oportunidade de trocar experiências. Partilhar e apreender técnicas com artistas de diferentes quadrantes.
A arte e o dinheiro
– Como avalia as artes plásticas nacionais?
– O número de artistas plásticos e exposições tende a subir. Os nossos artistas são versáteis na temática, estão sempre a mudar. Nota-se uma evolução de trabalho e uma temática diferente.
– As mudanças, de certa forma, não matam a identidade?
– Creio que não. A identidade é essa mutação. O que é bom para as próprias artes.
– No cenário moçambicano deparamo-nos com poucas mulheres nas artes plásticas. O que está por detrás disso?
– A caminhada é árdua. Há falta de oportunidades para quem está a iniciar. Para fazer uma exposição temos de mostrar as obras, patrocínios, alguém disponível a ajudar e nem sempre a sorte está ao nosso lado. Para se manter na arte é necessário talento e muita persistência. Nesta caminhada muitas desistem, pois as artes plásticas não pagam contas.
– Cada obra tem um sentimento, é uma experiência. Quando chega a hora de estipular o preço de uma obra, como faz?
– Os quadros são como os meus filhos. É complicado dar um preço para cada um deles. Para tal, chamo um avalista. Ele é que avalia a obra e marca o preço. Na avaliação, ele olha para factores como o material que foi usado, o valor artístico da obra e, no final, ajusta um preço.
– Em termos financeiros, qual foi a sua melhor exposição?
– Foi a exposição feita em Beijing, China, em 2013. Entrei lá com meus quadros e voltei sem nenhum. A exposição foi num grande hotel. A Imprensa estava em massa, foi uma experiência fascinante.
– Quem compra as suas obras? Estrangeiros ou nacionais?
– No início, as minhas obras eram mais compradas por estrangeiros, mas hoje os meus trabalhos são mais comprados por nacionais.
 
A outra face de Chica
– Foi jogadora de basquetebol, vestiu as camisolas Ferroviário da Beira, Costa do Sol e representou a Seleção Nacional nesta modalidade. Ainda está ligada ao desporto?
– O desporto faz parte de mim. Agora pratico actividades recreativas, acompanho alguns torneios, apoio actividades ligadas à área do desporto.
– Em relação ao nível académico?
– A escola na minha casa sempre foi prioridade. Graduei em Construção Civil no Instituto Industrial de Maputo, em 1984.Frequentei Arquitetura na Universidade Eduardo Mondlane, por dois anos, mas acabei desistindo. Descobri a paixão pelo Desenho de Interiores e Decoração, fiz o curso em Washington, pela Patrícia Stevens School of Interior Design and Fashion Merchandise e pela New York School of Interior Design em 1994. Hoje em dia, além das artes plásticas, dedico-me à minha área de formação, Desenhode Interiores e Decoração.
– Fale-nos da sua incursão pelas letras?
– Quando não posso expressar-me através da pintura, tiro o que sinto para o papel. Já tenho um livro de poesia publicado e tenho projectos em andamento.
– Como é a Chica Sales na família?
– Sou mãe, sou esposa, sou mulher. Meu parceiro acompanha-me em todos os meus trabalhos. A vida não poderia ter-me dado melhor marido. Meus filhos são o meu fascínio, vivo por eles.
– Qual é a sua nova exposição em vista?
– Tenho uma exposição na Argélia marcada para Maio, em homenagem ao Dia do Trabalhador. Tentarei trazer mais as imagens dos homens. O convite é desafiador, prometo dar o melhor de mim.
– Ainda tem sonhos não realizados?
– Enquanto estiver viva, sempre terei sonhos por realizar. Para estarmos vivos temos de ter metas, algo por realizar.
 
 

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