SOBRE O CONCERTO ACONTECE DA GABRIELA

gabriela_concerto_620 (1)“O grande perigo de um apreciador de determinado estilo musical – por exemplo, a MARRABENTA – é permitir que as suas aspirações musicais, em relação a esse estilo, inviabilizem-no de apreciar outros. A música é uma linguagem”. 

Com uma carreira iniciada nos finais da década 1990 e princípios dos anos 2000, Gabriela é um vulto da música moçambicana. Gosto! Há bastante tempo que acompanho a sua carreira. Diria até que desde o início. Mesmo que de longe. Ela é uma artista em metamorfoses, o que é simultaneamente bom e problemático. 


Texto: Inocêncio Albino

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Bom – porque ela está em constante movimento. É dinâmica. Está em vida. Problemático – porque em cada etapa do seu processo evolutivo abandona os fãs que apreciam o estilo de música que ela faz nesse momento. Tem três álbuns, lançados respectivamente em 2001 e 2005 – pesquise sobre os mesmos. Mas o terceiro, como sabe, ACONTECE, publicou na noite de 27 de Fevereiro. Gabriela cria e abandona fãs. Fez Marrabenta, fez passada, faz Pop Rock, e em cada uma dessas fases criou e abandonou os seus fãs.

É por essa razão que o público do ACONTECE é outro. Mais light. Fui ver o seu concerto. Gostei e não gostei. Explico a seguir. Correntes de opinião há que defendem que Gabriela já transcendeu as nossas fronteiras – o que em muito nos honra. Concordo, porque é facto. “Saibam que a vossapresença encheu o coração de alguém”, educada, Gabriela aprecia a presença do seu público.

Gostei do concerto da Gabriela porque – como diria o professor Almiro Lobo – tenho muitos textos na minha mente sobre a artista. Mas também por aquilo que vi. Ela cantou com orquestra e banda. Wow! Que ousadia!
Não gostei do seu show por aquilo que vi e por aquilo que não vi. Foi um espectáculo com um conceito light adequado a uma “patricinha” – uma menina educada, polite – com um talento invulgar. O problema da Gabriela é que ela é perfeita. E o show, ao vivo, não se compadece com a perfeição. Requer um improviso, alguma falha, a fim de que os espectadores possam apreciar a perfeita imperfeição (no caso) da intérprete. E, na primeira parte, ela cantava como se se tivesse colocado um disco no leitor.

Com Papy (?) Miranda no piano, excelente trabalho, do seu primeiro álbum – sobre o qual você vai investigar – Gabriela resgatou a música MEU MARIDO (só quer…). Revestiu-a de uma nova carapaça. Ficou light! Parecia fado. É fado? Não sei, vou-me certificar. Mas é possível que seja, porque ela se formou lá na Escola Portuguesa. Sempre admirei as composições desta intérprete. O arranjo foi bonito. Mas ali, naquele concerto, as emoções do público eram contidas a todo o rigor. Ninguém gritava, ninguém soltava um palavrão – mesmo que fosse para expressar os mais ternos sentimentos. Todos éramos polites. Foi chato! É chato ser polite, se isso significar conter as emoções mesmo quando não é necessário, só para dar aqueles ares de educadinho, enfim de patricinho….Também rearranjou a música ZABELA.

Entretanto, a caminho da transição da primeira para a segunda parte do show, quase semimorto, com a música BROKEN HEART, com a participação de Rui Michel, o concerto ganhou outro alento, arrancando uma chuva de aplausos. Grande Rui Michel. “Este puto é louco” – ouvi dizer de alguém que acrescentou – “é um one man show”. Não sei se é louco. Acho que estava louco. Mas fez show – e é isso o que é importante.

O palco e a plateia explodiram com o Rui Michel – que pena, apesar de todo o seu teatrinho, diga-se, quase bem sucedido, o rei do rock estava completamente desafinado. Quis explorar uma voz típica do hard-rock, um tom underground, que não se harmonizou com a proposta de um concerto perfeito que Gabriela pensara. Tal como MINA NA WENA – mais adiante –, BROKEN HEART foi a música que nos penetrou as entranhas, envolvendo-nos na sua problemática.

De qualquer modo, o Rui foi o instrumento que quebrou o gelo, recordando aos presentes que eles são moçambicanos, e, por conseguinte, sabem cantar, dançar e gritar. Enfim celebrar. Mas acima de tudo que se emocionam. Há emoções que é preciso vivê-las no instante. Gabriela, a Pop Rock, auto-confiante, cantou MINA NA WENA, grande hit, assumindo-se como uma felina de cabelos de fogo e uma voz de ouro. Para mim, a Gabriela é isso: Uma felina com cabelo escarlate e uma voz de ouro. Eu não disse dourada, atenção! Mostrou garra, segurança e domínio e soltou-se para o
mundo… vá fundo!

Mas só um comentário curioso – eu não entendi o luto de que se trajou, tanto na primeira como na segunda parte do show. Não tenho nada contra o preto, mas… Relativamente à segunda parte do espectáculo, existem poucas coisas de que gostei, nomeadamente, a primeira prestação da Iveth Mafundza. Não apreciei a sua presença na segunda. Era uma peça a mais. Patética! Não gostei do The Most (é assim que se escreve? Não sei.) Refiro-me ao DJ. Acho que tem parar de fazer barulho e cantar – se souber. Do contrário, que toque a música de outros na discoteca. Não levem pessoas ao palco só por puro formalismo técnico.

O público está atento. ACONTECE A ideia de colocar-nos a ouvir o disco até podia ser boa, aliás original, mas eu não gostei. Aliás, ela só concorreu para o subaproveitamento da banda e da orquestra. Eu fui ao show para ver Gabriela a cantar e não para ouvir o seu disco a tocar no rádio, como aconteceu. Para isso, comprei o disco…
Para finalizar, sejamos objectivos, embora tenha estado no palco, Ras Hatrm não actuou – não sei as razões. Não o vi! Aconteceu uma coisa rara: tamanha fofurice. A parte mais ternurenta do show – se calhar a alma do evento – foi a actuação do trio Simba, Gabriela e G2. Legend! Antes de terminar, sinto-me na obrigação de atribuir nota ao evento. Enquanto evento – uma superprodução. Com o protocolo a funcionar perfeitamente. Portanto, numa escala de 0 a 20, dou 14 valores.

PARABÉNS À FELINA DE CABELO ESCARLATE E VOZ DE OURO. Viva a cultura moçambicana. Tudo ACONTECE!

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