No inverno rigoroso de Dezembro de 1970, o internato Barton Academy transformou-se no cenário involuntário de uma comédia dramática que escava as feridas e as esperanças de personagens à margem. Dirigido por Alexander Payne e disponível nos catálogos de streaming, The Holdovers (2023) reconta, com um equilíbrio entre humor ácido e melancolia, a história do rabugento professor Paul Hunham (Paul Giamatti), do rebelde sem causa Angus Tully (Dominic Sessa) e da cozinheira enlutada Mary Lamb (Da’Vine Joy Randolph) — três almas desgarradas condenadas a uma quarentena involuntária nas férias de Natal.
O filme oscila entre os clichês do cinema de formação e uma reinvenção sensível dos arquétipos. De um lado, a dinâmica entre o professor amargurado e o aluno problemático segue o manual dos filmes de prep school; de outro, a profundidade dos diálogos e a falta de resoluções fáceis elevam a narrativa a um retrato cru da vulnerabilidade masculina e do luto silencioso. A ausência de vilões caricatos — até o director do colégio (Stephen Thorne) é mais burocrata que antagonista — revela um olhar compassivo sobre a falibilidade humana.
A escolha por ambientar a história no início dos anos 1970, em plena Guerra do Vietname, não é mero cenário nostálgico. A sombra do conflito paira sobre os personagens: Hunham, um veterano que se esconde atrás de cinismo; Angus, um garoto que poderia ser draftado em alguns anos; e Mary, uma mulher negra que perdeu o filho na guerra. A fotografia de Eigil Bryld, com seus tons sépia e enquadramentos que isolam os personagens em corredores vazios, reforça o tema da solidão em meio a um mundo em mudança.
A trilha sonora, repleta de canções de época como The Three Degrees e Cat Stevens, não serve apenas como pano de fundo afectivo, mas como contraponto irónico à desolação dos protagonistas. A cena em que Angus dança sozinho no ginásio vazio ao som de “Love Train” é um dos momentos mais comoventes do filme — uma celebração efémera de juventude antes do retorno à realidade.
Em 2025, The Holdovers ganha novas camadas. Num mundo pós-pandémico, onde o isolamento e a desconexão se tornaram temas universais, o filme deixa de ser apenas uma história sobre um Natal atípico para se transformar num espelho das feridas colectivas. O que permanece é a pergunta: como encontrar redenção num mundo que insiste em nos deixar para trás? O filme não oferece respostas fáceis — mas, ao permitir que seus personagens compartilhem, mesmo que brevemente, um pouco de calor humano, já cumpre sua missão mais essencial.