Não vai mudar nada

“As revoluções prometem mais do que realmente são capazes”. É uma ideia que ecoa na minha consciência desde a experiência de apanhar chapa pela manhã para ir ao serviço. Eu que sempre fui optimista, o último a deixar de acreditar, vejo-me na condição de assumir que nem todas as utopias vingam.


A pandemia não é propriamente uma revolução no sentido de impor mudanças anteriormente elaboradas por um grupo de interesse insatisfeito com o status quo, mas foi tomado por muitos, como eu, como uma oportunidade para mudar algumas coisas que não estavam bem. Mas como já tinha alertado o escritor francês Michel Houellebec, num artigo publicado no Expresso, isto não vai mudar nada senão obrigar-nos a andar com máscaras (literalmente, que não cobrem as da metáfora).

Um raciocínio curto pode levar-nos, sem grande exercício, à curva constatada pelo professor Francisco Noa sobre diferentes estágios do pensamento de Craveirinha. A poesia do mafalalense é marcada por um momento de efervescência utópica, quando sonha com o futuro cidadão e pela distopia, quando nos delicia com as tanjarinas de Inhambane. Antes do poeta-mor, o célebre romancista britânico George Orwell já tinha descrito, por exemplo, o totalitarismo e, cientificamente, Hannah Arendt já tinha alertado sobre como esses regimes se instalam. Mas esses escritos não muda(r)am nada. Aliás, o mundo (dito) civilizado está, democraticamente, a eleger ditadores, corruptos e toda a espécie de estupidez.


Ainda ocorrem-me outros exemplos, neste caso bíblicos, de Moisés que salvou o povo de Israel de séculos de escravidão, mas esse mesmo povo virou-lhe as costas, desobedecendo as suas orientações na primeira oportunidade que tiveram, entregando-se ao que o Mestre considerava pecado. Cristo foi crucificado para salvar uma humanidade que continua, 2020 anos depois, a cometer os mesmos pecados, erros, deslizes ou a designação que o leitor quiser. Ou seja, este conjunto a que chamamos humanidade – que de forma inteligente, no Livro do desassossego Fernando Pessoa negou o sentido que damos – caminha, de facto, para abismo.
Digo isto ao constatar que, ao contrário do optimismo que me tomou ao saber que, por exemplo, a praia do Costa do Sol voltou a ficar limpa e a receber aves que há muito não recebia; tive a ilusão que isso ia mostrar a sociedade como é que nós devemos caminhar.
Conforme dizia no princípio, ontem, pela manhã, por volta das oito e tal, fui a paragem para tomar um chapa mas acabei levando mais tempo do que previa porque estava cheia e os cobradores escolhiam com um critério que só eles dominam quem pode viajar e quem fica. Para não atrasar-me, depois de ouvir uma passageira do outro carro que perdi a prometer pagar 20 meticais para conseguir fazer uma viagem que custa 12, fiz o mesmo. E o cobrador aceitou.
Olhando para a pirâmide social, é duro concluir que a base é a primeira incapaz de solidarizar-se com um ser semelhante. Daí que esperar uma atitude diferente do topo é um absurdo. Quando o pobre consegue extorquir outro pobre igual fico sem saber o que esperar.

As promessas do novo mundo apregoavam um mundo mais humano, solidário, consciente. Mas é tudo balela. Os humanos vão continuar a digladiar-se por mesquinhez, a afundar-se na lama por mero “euismo”, no “selfismo”…enfim, desiludam-se: nada vai mudar, a humanidade (este conjunto de animais) vão continuar a perpetuar o mal.

(Escrito em 2020)

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