Resquícios da Revolução Russa nas artes plásticas moçambicanas

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Desenho de Joaneth
Desenho de Joaneth

Semanalmente, através do programa Conversa ao meio dia, produzido pela Plataforma Mbenga Artes e Reflexões e transmitida pela Rádio Cidade, contamos alguns episódios da História das Artes Plásticas moçambicanas, na rubrica Restauro.

Concebemos este espaço no nosso portal para a partilha, em forma escrita, do conteúdo breve, transmitido na rubrica supracitada.

O nascimento da nova nação com a proclamação da independência em 1975 acontece num contexto global adverso. África está a libertar-se do colonialismo e o ocidente está a braços com a Guerra Fria, a dividir o mundo entre o capitalismo liderado pelos Estados Unidos da América e o socialismo, liderado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). E as artes não estão alheias ao quadro.

A Luta de Libertação Nacional, como todo exercício bélico e logístico exigiu esforços financeiros. O seu avanço foi possível graças aos apoios dos parceiros de esquerda da Frente de Libertação Nacional, de todo o mundo. Essa ajuda sentenciou o país ao modelo socialista.

Recorde-se que a primeira nação socialista do mundo foi a Rússia que liderou a União Soviética, após a Revolução de Outubro de 1917. Tendo inaugurado na prática a proposta de Karl Marx, o movimento russo, designado bolchevique, liderado por Vladimir Lenine e posteriormente por Josef Stalin, fez da arte um instrumento ideológico.

O modelo socialista ganhou adeptos pelo mundo fora, entre os quais, os líderes do então movimento de guerrilha Frente de Libertação de Moçambique que em 1977 realizou a Reunião Nacional de Cultura, no mesmo ano em que se assume marxista-leninista.

No livro “Arte e artistas em Moçambique Diferentes gerações e modernidades”, a historiadora Alda Costa escreve que havia nos anos imediatos a independência até a década 80 uma tendência de incentivar aos artistas a juntarem-se em associações para formarem as suas vozes.

“Sombras de Outubro”, livro que sai sob autoria e chancela da Fundação Fernando Leite Couto, conta que na efervescência da Revolução Russa, os bolcheviques investiram nas associações que congregavam várias disciplinas artísticas. O propósito de veiculação propagandística e ideológica veio a concretizar-se com a imposição do Construtivismo e do Realismo Russo.

António Sopa, historiador e arquivista, no seu artigo Artes Plásticas em Moçambique: Um percurso de 100 anos, repara que a ideia de união estava igualmente associada a escassez de material de mercado para venda de obras de arte.

Com artistas formados e conscientes, a partir da década 80, em todas as disciplinas artísticas surge um movimento que se compromete a trabalhar na construção da moçambicanidade. O objectivo é, neste contexto, incorporar nas suas obras elementos que nos sejam particulares ao então jovem país.

A arte volta a acontecer de forma colectiva, em plataformas com caracter revolucionário como murais. E a fotografia toma uma posição mais relevante. Os motivos das pinturas eram o retrato do passado colonial como um momento para não repetir, o folclore e questões afins.

Esse contexto de arte colectiva não impossibilitou a entrada em cena de autores particulares. Alda Costa refere-se a Estevão Mucavele como o exemplo. O jovem recém-regressado de uma longa estada na África do Sul, traz outra perspectivas pictórica e estética.

Estando Moçambique integrado no bloco de esquerda embora o discurso tentasse colocar o país nos não alinhados, recebeu o apoio de vários países que prestavam vassalagem ao Kremelin. É neste contexto que nos primeiros anos pós-independência, instalaram-se artistas vindos de Cuba, Chile, Suécia e de várias Repúblicas Soviéticas.

Um grande número deles, conforme a historiadora Alda Costa, lecionaram, primeiro no Centro de Estudos Culturais e depois na Escola de Artes Visuais. Esse contexto culturalmente plural acabou gerando uma diversidade no contexto artístico da cidade de Maputo.

Uma nova geração que tinha frequentado a Escola Industrial ou aprendido com vários artistas que se tornaram mestres ainda no tempo colonial, entram em cena. É o caso, por exemplo de Idasse Tembe.

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É licenciado em Jornalismo, pela ESJ. Tem interesse de pesquisa no campo das artes, identidade e cultura, tendo já publicado no país e em Portugal os artigos “Ingredientes do cocktail de uma revolução estética” e “José Craveirinha e o Renascimento Negro de Harlem”. É membro da plataforma Mbenga Artes e Reflexões, desde 2014, foi jornalista na página cultural do Jornal Notícias (2016-2020) e um dos apresentadores do programa Conversas ao Meio Dia, docente de Jornalismo. Durante a formação foi monitor do Msc Isaías Fuel nas cadeiras de Jornalismo Especializado e Teorias da Comunicação. Na adolescência fez rádio, tendo sido apresentador do programa Mundo Sem Segredos, no Emissor Provincial da Rádio Moçambique de Inhambane. Fez um estágio na secção de cultura da RTP em Lisboa sob coordenação de Teresa Nicolau. Além de matérias jornalísticas, tem assinado crónicas, crítica literária, alguma dispersa de cinema e música. Escreve contos. Foi Gestor de Comunicação da Fundação Fernando Leite Couto. E actualmente, é Gestor Cultural do Centro Cultural Moçambicano-Alemão

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