Uma serpente na Karl Marx?

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Um grito estridente repete-se de longe. “Paulo, Paulo, Paulo”. Salta da cama atabalhoado, com pressa veste os calções que estão próximos e corre para a porta. O pavor engoliu o rosto de Fátima, o desespero é indiscreto com os joelhos, no limite do vestido largo, a tremerem.

– Paulo, vi uma cobra na porta da minha casa – com ar ofegante e desnorteada, um olhar disperso e repetidos gritos: ahhhhh….ahhhhh…eu vi uma cobra! Mata para mim, preciso entrar em casa.

Contagiado, ficou petrificado, imóvel. Quer reagir e desconsegue, recorda da cobra preta, transpira, um calafrio percorre-lhe das unhas dos pés a carapinha, sente aquela peçonha fatal atingir-lhe o tornozelo esquerdo. -Paulo, ajuda-me. És homem, vai matar a cobra! Preciso entrar em casa. – Como faço isso? – reagiu o Paulo, desesperado. Repentinamente pegou no primeiro instrumento contudente que viu a frente, homem bravo, encheu o peito, percorreu o corredor, três lâmpadas, a do meio fundida e a terceira a piscar. Um branco fraco das florescentes, devem ser 18 e tal. Com a vassoura em punho, conduzido pela Fátima, pergunta, onde viste a serpente? Aqui, apontou com o dedo, braço em riste para um buraco com um intervalo significativo na parede de um azul berrante, por onde passa o fio de corrente eléctrica que alimenta o apartamento. Traz consigo um ferro que se desconhece a origem, ora por Jesus Cristo (por dentro fazia promessas, eu sei).

Desajeitado, Paulo posiciona a vassoura para um ataque mortífero, desde que certeiro – e a dúvida se impunha, um desdém interior aconselhava-o a não envolver-se em demasia. – Vá na frente, fico na retaguarda, assegurou a Fátima. Paulo, tu és homem, mata a cobra! – insiste a vizinha. Há uma relação de familiaridade neste prédio. É certo que entre estes apartamentos baratos e corredores estreitos, as vezes, formam-se palcos de tentativas de homicídio verbal. Houve quem foi as vias de facto. Nas escadas para o segundo piso, o Tony, do quarto andar, esfaqueou a Marina por tê-lo chamado atenção quando tentou furar a fila da torneira de água, no terraço. Todo o prédio esteve presente. A faca de cozinha atingiu o braço da vizinha do segundo andar que gritou e nos movimentos do susto esbofeteou Tony que enganou-se ao procurar apoiar o pé esquerdo na mesma superfície e perdeu o equilíbrio no vão dos degraus. Um tombo histórico. Do Tony nada se sabe. A dona Maria continua trombuda, quase cospe no corredor quando cruza com Marina. O olhar de ódio de uma fêmea que perdeu a cria. Quase se agarram, muitas vezes. Estamos no centro da cidade, na avenida Karl Marx, perto da Ronil.

– Deixa-me ligar ao Mário, matou uma cobra, há meses no terreno dele em Marracuene, solicita Paulo.

Prometia-se ser herói, faz pouco tempo, trancado no quarto. Prometia-se grandes proezas, ascensão social, notoriedade e respeito dos seus pares. Faz pouco tempo. Quando a Fátima bateu-lhe a porta, aluncinada, era nisso que pensava. O grito de Fátima rasgou-lhe o riso. A realidade com toda a truculência da indelicadeza, tirou a máscara. O presente é um embrulho que ainda espanca os sentidos de Paulo. Prefere não abrir. Pega no telemóvel, amaldiçoa o mundo. “O seu saldo é insuficiente para…”, desligou na cara da senhora, desagradável e desumana, nem abre espaço para negociação, não há way djoh, debate-se. Dá meia volta e faz o sentido contrário da porta da vizinha.

– Para onde vais? desconcertada, pergunta Fátima. Lê-se no semblante o desapontamento: “é homem este?”

– Vou ter com o casal Matavele, devem ter algum incenso ou sabe-se lá… que mate a serpente sem contacto directo – esclareceu e pediu ajuda.

Conhecido pela astúcia, outrora viril e próspero na “Djone”, o senhor Matavele encarando-o, calmamente, perguntou: viste a tal cobra? – embaraçado, respondeu: “não, não vi (graças a Deus, respirava de alívio). A esposa, indiferente a hecatombe que as circunstâncias os tinham arrastado, assegurou que já tinha ido embora. – As cobras também têm medo das pessoas, quando nos vêm, fogem.

Paulo não desfaz-se da Mamba, peçonhenta e das noites que despertou aos gritos porque a cobra preta, fatal, atingira o seu herói num filme. Essa cena é presente desde a infância. Herdou da mãe o medo de cobra, viu aquela mulher perder forças ao ver uma naquela longa-metragem, é uma memória fugaz da infância. Está com a mesma idade que o Alexis Ivanovitch, 25 anos.

– Qual é o tamanho? – perguntou a senhora Matavele, já no quartel general que Paulo e Fátima instalaram ad hoc para dizimar a serpente. Pela distância dos dedos indicadores que Fátima gesticula, a cobra não tinha 90 centímetros. E era castanha.

– Paulo, podes entrar, mata e diz-me.

– Já foi embora, estão preocupados em vão, assegurou a senhora Matavele, outra vizinha do primeiro andar. Segura de si, a rezar ave marias, invocando Cristo, desleixada, segue para o interior da casa da Fátima. A vassoura nas mãos, foi. -Já não há cobra. – Podes entrar, foi-se embora. – Você viu alguma cobra? insistiu o senhor Matavele, na surdina. O Paulo encolheu os ombros e reagiu com a cabeça: não, não vi.

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É licenciado em Jornalismo, pela ESJ. Tem interesse de pesquisa no campo das artes, identidade e cultura, tendo já publicado no país e em Portugal os artigos “Ingredientes do cocktail de uma revolução estética” e “José Craveirinha e o Renascimento Negro de Harlem”. É membro da plataforma Mbenga Artes e Reflexões, desde 2014, foi jornalista na página cultural do Jornal Notícias (2016-2020) e um dos apresentadores do programa Conversas ao Meio Dia, docente de Jornalismo. Durante a formação foi monitor do Msc Isaías Fuel nas cadeiras de Jornalismo Especializado e Teorias da Comunicação. Na adolescência fez rádio, tendo sido apresentador do programa Mundo Sem Segredos, no Emissor Provincial da Rádio Moçambique de Inhambane. Fez um estágio na secção de cultura da RTP em Lisboa sob coordenação de Teresa Nicolau. Além de matérias jornalísticas, tem assinado crónicas, crítica literária, alguma dispersa de cinema e música. Escreve contos. Foi Gestor de Comunicação da Fundação Fernando Leite Couto. E actualmente, é Gestor Cultural do Centro Cultural Moçambicano-Alemão

3 COMENTÁRIOS

  1. “I haven’t seen you in these parts,” the barkeep said, sidling during to where I sat. “Repute’s Bao.” He stated it exuberantly, as if solemn word of honour of his exploits were shared by settlers about assorted a fire in Aeternum.

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  2. Many people have a stereotype in their heads about the low quality of Chinese goods and their short service life. But despite this, all the store shelves are filled with goods from this country, whether it is clothing, appliances or even cars. Let’s see what category of quality Chinese goods actually belong to.

    Is it true that China produces everything?
    According to statistics, every item number five is produced in the “Middle Kingdom”. It is not surprising, because there are many factories and industries in the country. The question is, what is China not yet engaged in the production of?

    Production of goods in China
    Now even operating systems and nuclear reactors, Beijing has put on production. Of course, something is still being purchased from other countries, but the active growth in production is visible to the naked eye.

    What has China succeeded most in?
    It is obvious that in clothing, shoes and other consumer goods.

    Automated shoe sewing lines
    Further, the figures are really striking in their scale – 70% of smartphones, 60% of construction materials, 90% of computers and components, and so on, are produced in China. The following areas are also developing – metallurgy, mechanical engineering and shipbuilding, well, it has been known for a long time about Beijing’s actively developing program for space exploration. Even the robots beloved by Japan and Korea, China has recently been doing more.

    Which companies from the West produce their goods in China?
    It is easier to list those who do not produce their goods in this country, because companies such as Apple, Microsoft, Sony, Adidas, Nike, Gucci, Colgate, Nivea and many others have long found in China the main manufacturer of their goods.

    Assembly conveyor line at a Chinese factory
    There are explanations for this, one of them is the opportunity to open and launch your production according to a ready-made scheme in a very short time and with low costs.

    What about cars?
    The time when cars from China were like test cars has passed. Now this industry is growing very rapidly, and with it the quality of cars. Now the Chinese car industry is in no way inferior to other manufacturers in comparable classes.

    Chinese cars HAVAL
    On the roads of any Russian city, you can find a lot of Chinese-made cars, and such popularity indicates the availability and reliability of these cars.

    To sum up: is China about quality or not?
    Of course, it is impossible to say unequivocally what the quality of the purchased thing will be, because China produces almost all types of goods and does it in huge volumes, but who and under what conditions produces this or that product is another question.

    Tag on clothing made in China
    A popular myth in our country about low-quality goods with the inscription “Made in China” appeared in the 1990s, it was then that cheap Chinese consumer goods began to appear on the markets of Russia and Europe. Now, serious and high quality control has been established at the factories of China. Any doubts of the quality control department about the product, send the products for reworking. And the success of Chinese companies in the field of mobile development suggests that a lot of attention is paid to the quality of products.

    On the website https://china-bazar.com you can order any product from China at an affordable price.

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