Quando a Patologia é a Identidade

 

Por: Estêvão Azarias Chavisso

Talvez o século em que vivemos seja um dos mais distintos no que respeita ao modelo das nossas relações humanas. Talvez a chamada época pós-moderna tenha sido o momento áureo no âmbito do grande projecto da “aldeia global” e, consequentemente, a diversidade, alicerçada pela aparente democratização da esfera pública a partir das tecnologias, tenha sido afirmada como uma das mais sublimes características da nossa “jovem” espécie.

Ora, a consequência lógica da diversidade, surpreendentemente, é a subjectivação. Para que pensemos num “Todo” é necessário que haja, primeiro, um “Particular”. Este resultado lógico leva-nos a questão: O que seria a subjectivação? Por subjectivação, esclareço, entendo toda a afirmação das características peculiares do “Eu” com o intuito de distingui-lo no meio do “Todo”.

Neste contexto, a subjectivação seria a nossa tendência natural de, mesmo afirmando as “vitórias” da diversidade no mundo actual, partirmos de um pressuposto individual e, de certo modo, etnocêntrico, que tem no “Eu” o ponto de referência para a afirmação do Outro.

Em outros termos, a subjectivação seria a imposição daquilo que nós chamamos de “nossa Identidade”, como forma de particularizarmos a nossa existência num universo tão plural, tomando-nos a nós mesmos como eixo de análise.

O problema começa exactamente neste ponto, na medida em que, para a nossa infelicidade, a Identidade (nacional, cultural ou religiosa) é um elemento exterior ao sujeito. Em outros termos, ela é apenas uma mera construção social e que pode variar em função da nossa disposição geográfica.

A identidade não é um elemento adquirido biologicamente. Pelo contrário, ela é uma categoria social em contínua construção e que, em função do dinamismo que nos é próprio, exige actualizações constantes.

É o que Gil (2009)*  chamou de  “patologia de que o  “Eu” é o vírus despótico”, considerando a identidade como o mais perigoso mal das nossas  sociedades.

Talvez o mal não seja a identidade. Talvez o erro reside no facto de a termos tornado o elemento basilar para afirmação da Humanidade do Outro.

Trata-se de uma doença que nos faz esquecer de que, antes de moçambicanos, brasileiros, angolanos, americanos ou africanos, somos seres humanos e que, mesmo não possuindo traços comuns no que respeita à origem étnica, temos todos o direito à vida.

O nosso pecado foi superiorizar as identidades omnipresentes, fechando nossos egos dentro de fronteiras físicas e mentais, na ambição de atribui-las uma auto-suficiência inexistente.

Esquecemo-nos, no entanto, que as fronteiras e a cultura são elementos dinâmicos e a única verdade é que nós (seres humanos) somos apenas parte da natureza. Ou seja, somos nada mais do que uma ínfima espécie sob risco de extinção no meio de um universo gigantesco.

As atrocidades que marcam a pós-modernidade, ameaçando a nossa espécie, encontram seu fundamento nesta patologia, que impossibilita as pessoas de realmente ver e aceitar o Outro e dissemina uma visão etnocêntrica com consequências alarmantes.

Assumir, por exemplo, que a pertença a um determinado território é a condição para o gozo dos direitos humanos básicos é nada mais do que reduzir o Homem à sua origem étnica, eliminando a mais sublime das dimensões do ser humano; a possibilidade de, independente da sua origem, etnia ou cultura, ser o que a sua consciência determina.

Fim

*Gil, José, Em Busca da Identidade; O Desnorte, Relegio de água, Lisboa 2009

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