PAÍS – GESTÃO DE ESPÓLIO: Obras de Malangatana e Craveirinha preocupam os filhos

Por Pretilério Matsinhe

Recuperar, preservar e divulgar as obras de Malangatana e Craveirinha foi mote de uma conversa, há dias, entre os filhos, apreciadores das obras dos artistas acima referidos.

A conversa teve lugar no Centro Cultural Moçambique – Alemão, tendo como sustentabilidade a Lei nº 10/88 que determina a protecção legal dos bens materiais e imateriais do património cultural moçambicano”.

O dispositivo, segundo Zeca, filho do escritor José Craveirinha, e Mutxine, filho de Malangatana Valente Ngwenya, é claro: “O Estado tem o dever de contribuir na protecção e conservação dos bens daqueles que são considerados parte da memória histórica de Moçambique”, mas só na teoria, porque na prática, “não estão a proteger”.

Os descendentes falavam durante um debate sobre a gestão do espólio dos seus falecidos pais, organizado pela plataforma cultural Mbenga: Artes e Reflexões, com o intuito de reflectir sobre a defesa do legado de Malangatana e Craveirinha, tidos como embondeiros da cultura nacional.

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Zeca Craveitinha

Na ocasião, as fontes defenderam que há uma necessidade de recuperar as obras extraviadas, espalhadas pelo mundo. Referiram que os bens são parte do património cultural e que precisam ser do domínio dos moçambicanos, contribuindo na construção da cidadania e identidade nacionais.

Zeca Craveirinha disse que seu pai, quando esteve preso em Portugal, em 1965, na famosa Cela 1, escreveu uma série de poemas, cartas, em papel higiénico, os quais enviava para um indivíduo residente, na altura, em Moçambique e que quando lhe foi exigir a devolução, tal “personalidade recusou-se”.

Há cartas que meu pai escreveu quando estava na prisão e que saiam de Portugal para cá, mas como recuperar essas cartas, poemas? Elas são individuais, são do meu pai, logo são minhas, porque as pessoas nos tiram o que é nosso? Mesmo as fotografias não aceitam devolver, só trazem cópias, que legitimidade têm essas pessoas?”

Mutxini Malangatana pisa na mesma tecla e afirma que os tribunais devem intervir internacionalmente, porque há muitas obras do seu pai que estão espalhadas pelo mundo e que precisam recuperar. “Há muitas obras que estou ainda a espera do paradeiro delas. Soube que foram expostas em Portugal uma vez, mas são obras que ele nunca vendeu, são desenhos feitos na prisão”.

Segundo os filhos, o grito de socorro vai para o Estado moçambicano, sublinhando que deve ajudar na intervenção ao nível internacional na recuperação, sobretudo, das obras da colecção privada dos seus pais, já que boa parte dessas obras estão fora do país.

Eu tenho limitações, há processos sobre esses assuntos nos tribunais, mas nada anda. Mesmo as obras da colecção Mário Soares, nós da família temos restrições para ter acesso, mas não devia ser assim, aquele acervo também nos pertence”, sublinhou Mutxini.

A CONSERVAÇÃO É UM DESAFIO

Um dos grandes desafios é a conservação das obras devido a falta de espaços condignos. Mutxini explicou que há dificuldades, sublinhando que a família está a fazer um esforço “razoável” no sentido de conservar as obras do mestre Malangatana. Segundo sublinhou, há necessidade de elaborar um inventário mas completo, já que o de 2007 não o é.

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Mutxini Malangatana

Estamos a nos esforçar para preservar, mas precisamos que se elabore um inventário para a colecção pública e para a colecção privada das suas obras. O que acontece é que parte da sua obra está danificar-se e corre risco de desaparecer, daí a necessidade de intervenção urgente”.

Entretanto, afirma que a casa localizada no Bairro do Aeroporto, que já se aventou a hipótese de ser uma Casa-Museu, ainda não está em condições para albergar obras do mestre.

O edifício foi criado para ser uma residência habitacional e não oferece condições para ser uma casa-museu. Tendo também em conta a dimensão da obra de Malangatana, não caberia ali para uma exposição permanente. E não se concebeu um espaço para obras que ainda não estão em condições para serem visitadas. O espaço realmente não tem condições”.

Por outro lado, a família Craveirinha está a trabalhar para erguer, próximo ao Estádio Nacional de Zimpeto, um Memorial e Centro de Estudos, cuja primeira foi lançada em Maio. A iniciativa visa tirar o foco da figura do centro urbano.

Entretanto, no que diz respeito a residência de Craveirinha na Mafalala, explicou que não cabe a sua família dar o estatuto de Casa-Museu, sublinhando que a mesma está disponível para quem queira fazer visita. “Isso ultrapassa a família, houve uma intenção de dar esse estatuto, mas depois a coisa parou. Então, por agora, não se pode considerar o local de Casa- Museu”.

A FALSIFICAÇÃO É REAL

Mutxini explicou que uma das dificuldades na gestão do espólio do mestre é a questão da falsificação das obras. Segundo ele, a sua família tem envidado esforços na identificação dos infractores, mas alega que não possui capacidade suficiente para acabar com o mal.

Do nosso lado temos dificuldades em chegar a obras falsificadas ou outras roubadas em instituições. Hoje em dia, até temos casos de obras que as vimos serem comercializadas, mas nunca se fez a sua venda. Para casos em que há informações seguras sempre há processos judicialmente. Há casos e processos instaurados”.

É NECESSÁRIO O ENVOLVIMENTO DE TODOS

Simão Mucavele, Vereador para área da Educação e Cultura disse que para a conservação das obras dos mestres é necessário o envolvimento de toda a sociedade de forma que as próximas gerações possam usufruir dos bens colectivos.

A nossa obrigação é viabilizar, facilitar, colaborar, bastando que as instituições nos procurem, pois temos possibilidade de responder as vontades”.

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Simão Mucavele, Vereador para área da Educação e Cultura da Cidade de Maputo

Sublinhou ainda que a parceria é outro elemento importante na preservação das obras. “Tomei nota das preocupações levantadas no debate e em tempo oportuno vamos responder, mas a ideia é que todos devemos participar”, apelou.

REESTRUTURAR PROGRAMAS CURRICULARES

Mesmo no meio de muitos que defendem a recolha de obras dos artistas Malangatana e Craveirinha pelo mundo, Sérgio Langa, docente e artista, questiona a urgente necessidade de se buscar tais obras: “Até que ponto estamos preparados para consumir só estas obras que temos aqui?”

Defendeu que há necessidade de disseminar mais informações acerca de todos os artistas nacionais, de forma que sejam, primeiro, mais conhecidos na terra deles. Para tal, explicou que a reformulação dos programas curriculares é um dos pontos centrais.

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Sérgio Langa, docente e artista plástico

Todos currículos devem ter história da arte. Todo mundo dele conhecer isto, mas tudo passa por fazer uma revolução e todas as escolas de comunicação devem ter a cadeira de histórias de arte, portanto, devemos reformular os currículos. Ninguém estuda um artista sem saber como ele fala, come, vive, porque a arte é diferente”.

Langa destacou que há um longo trabalho a ser feito para se conseguir a ampliação do capital cultural nacional, destacando a mudança de comportamento.

A mudança de comportamento deve partir de todos os tecidos. A comunicação social tem um papel didáctico muito forte e há um grande espaço para se produzir conteúdo local. A cultura sempre vendeu, isso de não vende é mentira”.

O ESTADO PODE

INTERVIR INTERNACIONALMENTE

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Segundo a Jurista Jéssica Albertina, o Estado moçambicano pode e deve intervir na recuperação das obras dos artistas em alusão, espalhadas pelo mundo.

Isso significa que temos falsos titulares a enriquecer, mas há plataformas que podem ser accionadas para a recuperação dos bens, há tribunais e deve haver actuação na fiscalização”.

Para a jurista, a obrigação do Estado é preservar o direito de pertença aos herdeiros, desde que primeiro analise a cooperação internacional que tem com outros países, mas também um olhar objectivo dos factos, para não correr risco de tirar bens que realmente pertence a privados.

Sobre a Lei de Protecção do Património, ela defende “ela deve ser actualizada, mesmo na questão da falsificação, já há novos métodos, o surgimento da Internet e novas ferramentas digitais permitem que haja novos crimes, daí a necessidade de actualização da lei”.

Refira-se que a família Malangatana organiza duas exposições por ano, nos meses de Janeiro e Junho, com o intuito de dar a conhecer as obras do mestre. Enquanto a família do poeta-mor, José Craveirinha, tem editado uma obra, a título póstumo. A ideia é fazer com que a obra do mestre seja colocada à disposição do público. Malangatana perdeu a vida a 5 de Janeiro de 2011, enquanto José Craveirinha faleceu a 6 de Fevereiro de 2003.

Prétilerio Matsinhe
A revolucao sempre perseguiu os meus dias. A escrita me fez acreditar, com a ideia de mudar o rumo da sociedade abracei o Jornalismo. Trabalhei em projectos de assessoria de imprensa e actualmente escrevo para o jornal Domingo. Desde 2014 que faco parte do Mbega e, tenho para mim que a escrita é revolucao.

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