A tua carta de Liberdade!

 

Por Jéssica Bernardo

Bom dia meu amor!

Hoje o dia acordou cinzento, coberto de nuvens; o sol pouco se faz sentir; está um frio tremendo que chega a congelar-me os dedos. Me faz lembrar o dia em que nos conhecemos! Chovia torrencialmente e tu me ofereceste o teu casaco para que eu pudesse aquecer-me e esconder-me da chuva, risos; mas hoje não te venho trazer más recordações, tenho a necessidade de te libertar, e ela é maior do que qualquer lembrança sobre nós os dois.

Desta forma, decidi escrever-te, como é hábito ao longo destes anos todos, sempre no meu período de férias. Mas prometo que esta é a última vez que te escrevo, pois sempre me aconselhaste a acordar do “mundo de contos de fadas”. Hoje não venho reforçar os meus votos nem dizer que te amo, pela milésima vez.

Amor, hoje eu mando-te a tua carta de liberdade, vou sair de casa e vou deixar a porta aberta para que outra mulher, melhor do que eu, possa entrar. Alguém que consiga fazer tudo o que não consegui fazer em 10 anos de casado, alguém que não se incomode com os teus atrasos nem com as reuniões até alta hora, no escritório, com a secretária, para não falar das viagens de negócios em todos os fins-de-semana longos. Que esta nova mulher seja forte o suficiente para te carregar para o quarto nos dias em que chegares bêbedo e caíres, duro, no sofá.

Meu bem, que ela não se sacrifique em acordar cedo para preparar o pequeno-almoço, aos domingos, pois estarás sempre de ressaca, a qual só se matará no “water front” com os amigos, até segunda-feira às 7h da manhã. Que ela aguente as visitas constantes da tua família e que saiba encenar tão bem, tal qual eu fiz, de forma a não transparecer o lar infeliz que eu te proporcionava.

Que seja melhor que eu e inteligente o suficiente para não abrir mão de momentos felizes com amigas, de convívios com os velhos amigos, das sentadas com os primos, vizinhos, colegas e da faculdade para te esperar ansiosamente todas as noites com o jantar à mesa, porque estavas com os colegas no trabalho. Que ela, também, não se preocupe com a tua água de banho, pois esse também será tomado no trabalho. Que ela perceba que se trata de um mundo desenvolvido, que não se mace em investir em noites picantes, pois para ti são todas iguais, ah aconselha-a a comprar um vibrador, talvez precise, tu vives cansado.

Que ela não controle o teu salário nem faça planos para um dia ter uma casa maior, pois esta te basta.

Guardar dinheiro para as férias? Ela que descarte essa hipótese, dinheiro é para se gastar. Que seja jovem o suficiente para não te falar em ter filhos, apesar dos teus 40 anos, tu ainda és só um rapaz.

Que não ela se importe com a celebração do teu aniversário natalício bem como do casamento sem a tua presença, pois tu trabalhas muito, para sustentar os teus vícios e para ajudar as meninas carenciadas. Que ela não se importe com as rosas, perfume e presentes inesperados porque isso para ti é para quem vive num mundo Cor-de-rosa, tu tens os pés no chão e a realidade do Mundo para ti é outra.

Meu amor, que ela não perca noites em claro te aquecendo, que não fique em pânico quando tiveres uma das tuas crises de asma, provocadas pelo cigarro e pelas correntes das noites, pois a bomba fica no bolso do teu casaco, os comprimidos na tua cabeceira que te tente manter calmo, e que não faça drama quando estiveres gripado, até porque passa com um duplo de whisky.

Que ela te faça feliz, meu amor, que eu vou deixar a casa limpa e carregar todas as minhas lágrimas, dores e angústias espalhadas pela casa, não quero que fique nenhum vestígio de tristeza. Não te preocupes em procurar as fotos do meu casamento para deitar fora, vou levá-las comigo, os momentos bons, esses também vão, pois só eu os vivo.

Vou chorar lágrimas frias e salgadas como sempre, meu coração terá de se habituar a não te amar e a não sentir o teu calor, mas tudo valerá a pena porque tu, meu amor, estarás finalmente feliz e terás do teu lado uma mulher que não te chateie, voltarás a olhar a vida como um instante, sem o amanhã, uma nova vida sem mim.

Cuida-te meu bem, nos dias frios não te esqueças de fechar a janela, e nos dias de muito trabalho lembras-te de comer, não te esqueças da bomba no carro, e vê se larga esse cigarro de uma vez, nos dias em que te sentares na varanda, não procures pelas 3 Marias, como sempre te obriguei a fazer, nem te lembres das vezes que nos sentamos lá e fizemos planos de um futuro promissor, quanto aos sonhos, ah esses vamos deixá-los para um outro casal.

Termino a tua Carta de Liberdade, dizendo: que eu te amei mais do que a mim mesma, sonhei os teus sonhos, vivi por ti, chorei as tuas dores e virei o mundo todas as vezes em que não vias saída para os teus problemas.

Mas recebi tanto de ti que chego à conclusão de que dei tão pouco de mim e que tu mereces muito mais.

Amor é uma troca e tem de haver um equilíbrio para se evitar o fim.

Felizmente o nosso chegou e vais poder finalmente começar a ser feliz.

Felicidades meu Bem.

Ps: Hoje eu calcei o meu melhor sapato, usei a lingerie mais sexy, vesti meu melhor vestido, vou sair para dançar com as meninas e se aparecer alguém interessante, que desperte o desejo adormecido em mim, vou me entregar ao prazer e pedirei para que ele me ame e me faça sentir desejada, que me beije o corpo sem receios, e que faça tudo sem pressa. Não se trata de desejo vulnerável, igual ao dessas vadias, com quem, várias noites, te deitaste nas pensões da cidade, mas sim o desejo de uma mulher que viveu muito tempo tentando ser o que toda a mulher casada deve ser para a nossa sociedade, vou despir-me desta mulher que vivia por ti, e após 10 anos vou ser, pela primeira vez, eu mesma …

Hoje também não te vou pedir permissão para ir à rua, pois de hoje em diante quem dita a última palavra sobre o que devo ou não fazer sou Eu…

Assino: Maria Antónia

Texto publicado originalmente na revista soletras (Novembro de 2015)

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