O álbum Lovely Dificult (2013) da cabo verdiana Mayra Andrade é um aceno forte para a rota mainstream da World music. Uma aventura perigosa que implicou a absorção de vários géneros musicais para construir um genuíno que, não obstante, congrega os ritmos da sua terra.
Os instrumentos cabo verdianos uniram-se para um conceito novo, mas é evidente um fraseado próximo da música pop.
Sob ponto de vista estético, nota-se alguns traços significativos do experimentalismo, música clássica, jazz, neo soul e as suas normas, aquecidas por um blues.
As composições da intérprete e vocalista da Ilha de São Tiago, radicada em Paris, têm muito de si mesma, são letras autobiográficas, talvez por isso a sua voz soe naturalmente.
Há que se reconhecer a sua disciplina na colocação desta mesma voz, com uma elegância impecável. O repertório é composto por músicas estudadas ao detalhe, cada elemento, cada instrumento, melodia. Não deixa sem dúvida de ser uma aula.
Na sua actuação em Maputo, na edição do Festival Azgo 2015, conquistou um público que se quer conhecia o seu trabalho. A sua espontaneidade arrebatou a plateia que na terceira música já aplaudia em apoteose, encantada.
Para além de vocalista Mayra Andrade também toca guitarra que acusa o ponto mais alto na música “Meu farol” que dedicou a sua mãe. Nela, com poesia pinta as suas dores pela saudade que sente.
Há nela uma frescura e melodias da brisa do mar. Uma sonoridade fresca que lembra os assobios das ondas batendo na areia branca.
Confira o vídeo de Mayra Andrade
A percussão, instrumento que hoje nas nossas proximidades é conduzido por monstros como Samito Tembe e Tlale Makhene, transcende e é explorada até pelos acordes das guitarras acústicas.
Romântica e urbana de cidades cultas que bem conhece, a música de Mayra Andrade sabe a vinho e paladar de … isso na música “We used to calls it love”.
O baixo imponente em “Build it up”, com evidências que se assemelham a dicção da Rihanna do princípio da carreira e, em parte, uma certa ousadia da Beyoncé, em geral da malta pop. O instrumento cobre com fluidez os espaços que a voz falta e assim vai até ao final.
Escute Lua do álbum Navega (2006)
Na faixa “Ilha de São Tiago” faz uma saudação a sua terra, obedecendo os valores ditos africanos, que são os de respeitar a sua mãe, sua terra, sua alma, a essência de si.
“Le jour se leve”, se eu entendesse de música, diria que é um balé com elementos asiáticos que termina num ritmo muito africano e chique, sempre cheia de requinte.
Em cada faixa vai justificando o título de herdeira da diva dos pés descalços, Cesária Evóra. Ah, sodade. Este álbum é o quintal de Mayra Andrade, onde estão a florir rosas coloridas porém regadas de lágrimas de saudades.
A viagem prossegue para uma terra longe cujo horizonte é colorido por cores animadas de esperança e saudades com as quais pinta as paisagens que oferta à música. Este álbum é um confessionário, palco de lamúrias, embora às vezes revestido de alegria que é só simpatia.
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