Stimela chega a todo vapor no sopro de Hugh Masekela — misturando as conversas, o caro leitor recorda-se de “War and Starvation”? —. Nos vagões, há várias bagagens. Quando esta locomotiva partiu, Gregory Porter ainda não se tinha posto a viajar para “1960 What?”, nem Kamasi Washington percorrera “The Epic”. Albino Mbié não desembarcara o majestoso “Mozambican Dance”, nem Gito Baloi nos endereçara “Ekhaya”, nem Ildo Nandja acenara com “Paz Para Todos”, ou Deodato Siquir descobrira a saudade que verte na música “Kaya”.

Independentemente da classe do vagão, nesta locomotiva ouve-se de tudo: Esperança com “Acknowledgment” de John Coltrane; Angústia com “I Loves You, Porgy” de Nina Simone; Amor em “Have I Told You Lately That I Love You?” na voz de Freddy Cole; Free jazz com Albert Ayler.

Em “War and Starvation”, a charmosa voz de Jaco Maria chora as guerras do mundo, sob os auspícios do compositor do tema na guitarra, Jimmy Dludlu — “Echoes from the Past?”

Noutros carnavais, Hugh Masekela de Joanesburgo vinha no trilho daquele mundo que Louis Armstrong sonhou: “What a Wonderful World”. O comboio, entretanto, nunca chegou ao destino — aquela vivência de quase um Éden urbano, que se porta qual sombra da lua na palma das águas. Nunca se alcança o fim. Enfim… tal como esta promessa do jazz jamais cumprida: a liberdade.

Nos bastidores, esse dream do Harlem Renascentista, o jamaicano Mckoy, decepcionado com a esquerda britânica, foi à Rússia e esclareceu aos bolcheviques que a luta dos negros era igualmente luta de classes. A URSS estacionou em África. E tornámo-nos independentes? O mulato Daico executava, naqueles dias, a sua guitarra para o gáudio de laurentino. Young Issufo animava os muzungos do Xilunguine e vibrava a Mafalala.

Gabriel Chiau, muito depois, assimilou o trompete, inspirado por Satchmo, seu eterno amor. As lágrimas sobre a Somália, Etiópia, Congo e agora Cabo Delgado fazem do choro jimmydludliano em “War and Starvation” eterno.

Na nossa estação, por estes dias, a locomotiva encontra a promessa da democracia por cumprir: domar o homem da sua animalidade. Jorra sangue inocente na nossa plataforma, choram órfão e viúvas. A ditadura da lei — a única aceitável — ainda não conseguiu pisar o nosso chão. Ainda estamos, de um jeito provinciano, a aprender a pisar tal território.

Stimela segue para outras paragens com a bandeira branca, não obstante. Vai celebrar, espero, a diversidade, as mudanças climáticas e, de certeza, chorar as guerras.
— “Stimela! When will you stop rolling? // When will our men be free?” ecoa Hugh Masekela.