“None but ourselves can free our minds.”
— Bob Marley (mas também Freire, Fanon, Du Bois, Lorde, Cabral…)

O disco riscado gira na vitrola do mundo — o caro leitor já ouviu o chiado ancestral de “Redemption Song”? —. Na agulha, há mil histórias. Quando esta melodia começou, Platão ainda não tinha escrito “A República”, nem Nietzsche desafiara os deuses com “Assim Falava Zaratustra”, nem Cheikh Anta Diop provara que o Nilo nasce em África.

Nas notas desta canção, viajam: Sabedoria com “The Allegory of the Cave” de Platão; Rebeldia com “Pedagogy of the Oppressed” de Freire; Amor em “Letters to a Young Poet” de Rilke; Liberdade com “The Wretched of the Earth” de Fanon.

Em “Redemption Song”, a voz de Marley sussurra: “Emancipate yourselves from mental slavery” — mas quantos ouvem? O violão, como a pena de Bertolt Brecht, questiona: “Who built Thebes of the seven gates?”

Noutras eras, Marcus Garvey sonhou com navios que levariam conhecimento, não escravos. O barco, entretanto, nunca atracou no porto — aquele lugar onde os homens leriam Fanon sob as árvores e entenderiam que “each generation must discover its mission”. Nunca se alcança o destino. Enfim… tal como esta promessa de iluminação jamais cumprida: a escola sem muros.

Nos bastidores, Paulo Freire alfabetizava camponeses enquanto os generais queimavam livros. Ngũgĩ wa Thiong’o escrevia “Decolonising the Mind” no exílio, e Aimé Césaire perguntava: “What is your million of mosquitoes?”

Na nossa sala de aula, por estes dias, o quadro negro ainda exibe as cicatrizes da ignorância: Crianças que decoram fórmulas, mas não aprendem a perguntar; Homens que citam Marx, mas não veem o operário ao lado;

  • Mulheres que leem Woolf, mas ainda travam “A Room of One’s Own” contra maridos surdos.

O disco continua girando. A agulha salta no mesmo sulco: “How long shall they kill our prophets while we stand aside and look?”

Mas há quem insista em afinar o violão. Redemption Song não é um hino — é um convite. Um bilhete de comboio para quem ousa trocar “war and starvation” por “love and harmony”.

O disco para. O silêncio é a pergunta que fica:
— “Will you help to sing these songs of freedom?”

(O resto, caro leitor, é contigo.)