“Gangster’s Paradise: Jerusalema” é um título que pode sugerir, exceptuando a palavra gangster, uma longa-metragem que explora temáticas ou um universo bíblico. Não é de todo um equívoco ir nessa direcção, pois, apesar de nada ter a ver com o Oriente Médio, foi elaborado para explorar a metáfora da terra prometida.

Moisés conduz, através da sua fé, o povo de Israel escravizado no Egipto para uma cidade, território onde abunda a dignidade. Transportado para o contexto do filme, o objecto é a esperança de igualdade económica oferecida aos negros sul-africanos no final do apartheid.

O bairro de Hillbrow, em Joanesburgo, palco do enredo, entretanto parece provar que essa projecção não passou de um oásis, pois a realidade, à luz do filme do escritor e realizador Ralph Ziman, acabou em pobreza e crime desenfreado na Rainbow Nation.

Esta película padece de uma patologia que parece perseguir o cinema sul-africano: a necessidade permanente de obedecer à matriz e ao modelo de Hollywood, o que leva a cair na armadilha de elementos comuns do género — a criança estudiosa encantada pelo bandido do bairro (neste caso, um ex-revolucionário marxista), a mãe doente, os irmãos que esperam por ele, a nova namorada de classe alta, os entes queridos apanhados no fogo cruzado, o encontro climático no telhado.

Nesta linha, é fácil associá-lo, por exemplo, aos clássicos de gângsteres da Warner Brothers dos anos 1930 ou a “Goodfellas”, “Scarface” e “Cidade de Deus”.

Da tradição sul-africana pós-apartheid, podemos ainda estabelecer paralelos com Bronwen Hughes (Stander).

De resto, é a história de Lucky Kunene (Rapulana Seiphemo), que sonhava com um BMW Série 7 e uma casa na praia. Não conseguindo, entretanto, ganhar a vida honestamente, cedeu à tentação do dinheiro fácil no roubo de carros. Acabou por ter de fugir da sua zona quando quase perdeu a vida numa operação de furto frustrada pela polícia.

Tentou ser motorista de um “chapa” em Soweto, mas perdeu a viatura para assaltantes, anulando assim um dos momentos de redenção do adulto que, em criança, foi orientado por Nazareth, treinado em Moscovo pela SNC. Na sequência, elabora um plano que o torna proprietário de imóveis no notório distrito de Hillbrow. À semelhança de Don Vito Corleone, era contra o tráfico de drogas (o que o torna rival do nigeriano Tony Ngu — Malusi Skenjana, que controla o comércio de estupefacientes no perímetro) e, como Michael Corleone, envolve-se com uma jovem branca de classe média alta (filha de um rabino).

“Gangster’s Paradise: Jerusalema” parece insinuar que seguir o caminho certo é impossível para um negro na África do Sul e deixa dúbia a razão pela qual o Inspector Blakkie Swart (Robert Hobbs), branco e aparentemente honesto, persegue Lucky. Há uma ideia não clarificada de justiça desinteressada que, noutros momentos, parece ser a de um fanático vingativo.

Situações de racismo estrutural abundam no filme, como o agente negro que agride Lucky numa primeira interpelação sem provas, o roubo do “chapa” ou o olhar discriminatório da empregada da casa da namorada branca. Pequenos sinais subtis que reflectem a sociedade sul-africana.

Pessoalmente, percorro o filme sem saber se o protagonista é um herói ou uma vítima das circunstâncias. Não deixa de ser curioso que ele se autodenomine um Robin Hood que admira Al Capone e Karl Marx.

Na juventude, Kunene é interpretado por Jafta Mamabolo, e as suas primeiras aventuras no roubo de carros são divertidas. Já como adulto, Lucky (Rapulana Seiphemo) perde parte do humor inicial, e a narração desvanece-se ao longo do filme. A trilha sonora, sem dúvida, é das melhores que a película poderia ter.