Por Stélvio Martins
Está escuro quando desperto, ingrato, dou o primeiro suspiro do dia, é longo e doloroso, toca como um trombone. Mecanicamente, estico o braço para fora do cobertor, alcanço o telemóvel, com a visão meio turva, queimo os olhos na luminosa tela, são quatro números grandes separados por dois pontos a minha frente, 03:28. Ainda é de madrugada, o saco de líquidos que vive dentro de mim e que comanda a minha vida, faz a habitual exigência.
Renitente, me vejo obrigado a largar o abraço quente e sintético dos meus cobertores, ahhhh, suspiro mais uma vez, ponho para fora da cama os dois pés ao mesmo tempo, sem muita força, procuro instintivamente a gata, Albertina… apalpo a cama, e sinto o seu corpo quente… já posso caminhar em segurança, na certeza de que não vou pisá-la.
Acendo a luz enquanto tento manter os olhos fechados para não perder o sono, abaixo os pijamas e alcanço a minha frágil masculinidade, contemplo por um segundo os efeitos do inverno sobre tal negra criatura irracional, faço deslizar o dourado líquido que mistura os sons batentes sob a loiça sanitária, com a melodia dos grilos que gritam madrugada afora, filhos da puta felizes! – quem canta no frio? São três horas de madrugada, quem canta na porcaria do frio? grito com os meus botões.
Penso em voltar ao quarto, sinto que foi inútil o esforço para manter os olhos entreabertos, ou seria entrefechados? Já não tenho sono… faço-me ao quintal, contemplo a lua, deliro sobre milhares de perguntas inúteis que me percorrem a mente: – quantas gerações terá a lua visto? porque a sensação de ser seguido pela lua desaparece quando somos crescidos? se não há ventos na lua de onde virão as marcas do tempo?
Dou um trago no vento frio, penso na … não posso dizer o nome… vejo nas nuvens o formato dos seus negros cabelos crespos, e tropeço na fantasia que brota dos pensamentos dos nossos lábios colados, me arrepio no calor imaginário do seu abraço que contrasta com o frio das madrugadas de maio.
Sou interrompido, por uma violenta ferroada, de um magro assassino, porra! Porcaria de mosquitos … foi perto do segundo beijo… quando a minha mão deslizava pelas suas costas… convido-a a entrar para o meu quarto, junta-se a mim nos meus agora frios cobertores, fecho os olhos e morro… (continua)