Nunes, primo mais velho de Matias, na manhã seguinte regressa a casa. Que tal puto, chegaste a tempo? – perguntou a correr para a casa de banho, que fica na parte de trás do quintal, independente da casa de dois quartos, uma sala e uma varanda. A cozinha também fica fora, em frente em casa por rebocar.

Como foi? – insiste. Não foi, perdi a carteira e depois eles adiaram a entrevista – responde o Matias, sentado na cadeira plástica verde, na varanda. – Achei que tivessem adiado por causa das manifestações que começaram ontem de manhã – reage Nunes.

Por acaso também voltaste cedo, te esperava lá para o meio dia – comenta Matias. – Yah, meu Boss nos liberou quando viu que xitsungu estava já a partir lojas em todos sítios – contou com um misto de alegria e tristeza na sua narração. – Qual é a cena afinal? – pergunta o Matias. Não sabes? Onde vives afinal? – questionou Nunes a se afastar.

How are you, my brother? – entra, no Whatsapp, a primeira mensagem de Joseph, um britânico voluntário de uma associação que apoia mulheres em situação de vulnerabilidade – I hope you’re doing well – outra.

Em cascata:
-Apologies for the long silence;
-my integration in Congo has been quite challenging.
-I’ve been following the news here about the tension in Maputo.
-Please take care of yourself.
-Sending you a hug.
-Write to me when you can

Para entender “In da Club” do rapper norte-americano 50 Cent, Matias aprendeu inglês. O convívio de quase dois anos com o Joseph aprimorou. Há meses que não se falavam.

Em áudio, respondeu:

I am well, and how are you? …It has been quite some time since we last spoke, so it is wonderful to hear that you are doing well…I, too, am still trying to figure things out. I have been rather preoccupied these past few days, preparing for a job interview.

Nunes volta: eu vim a pé desde a Brigada até a Machava, não há chapas. Mas como estávamos em grupo, não doeu, foi num papo e tal. Senta-se noutra cadeira plástica ao lado do Matias. Ontem nem consegui voltar. Assim não sei como isto vai terminar, comentou.

Entra a correr a mãe do Nunes, tia do Matias. Está-se a levar comida naquele armazém, ali perto. Vamos, ordenou! A família, a correr foi toda. Matias não.

Joseph manda outro áudio em resposta ao anterior:
It’s great that you’re applying for a new job. I’m rooting for you to get it—you deserve it. As for the tension, I hope it eases soon because the country is coming to a standstill. Here in Congo, I’m in a community that is constantly at risk of attacks. Just yesterday, I had to sleep at the military camp because there was a threat of rebels coming here at night.

Os vizinhos passam a correr com txovas, carrinhas de mão e os que têm carro vão de carro ao saque. Era como se o tempo fosse um cavalo selvagem, e os vizinhos, montado em seu lombo, galopavam contra o vento, tentando alcançar um horizonte que sempre parecia fugir mais rápido do que podiam correr.

Você não vai porquê, perguntou Malaquias que passava sem entusiasmo em direcção ao tal armazém. – Acho que é errado – reagiu Matias. Porquê ? – pergunta ao outro. Quem disse que estavam a distribuir? – reage Matias.

Antes mesmo que o Matias respondesse, porque interrompido, Joseph despediu-se:
Look, I hope things sort themselves out on your side. I’ve got a mission now, and I think I’ll only be back in a week. But whenever I can, I’ll check in to see how you’re all doing. A hug, brother, and good luck with the job interview.

Matias: I apologise for not responding sooner; Malaquias showed up here. Thank you, and I pray that everything goes well on your side and that you manage to avoid the rebels. Stay strong, brother. God bless.

Num canal de Facebook, Matias e Malaquias lê:

Tragédia em Maputo: Polícia Dispara Balas Verdadeiras em Manifestantes

Nesta manhã de caos e terror, a capital moçambicana foi palco de uma cena chocante quando forças policiais descarregaram balas verdadeiras contra manifestantes que protestavam contra o aumento do custo de vida.

Testemunhas relatam que os tiros começaram após tentativas de dispersar a multidão com gás lacrimogéneo e canhões de água, que não surtiram efeito.

“Eles atiraram para matar. Vi pessoas caírem ao meu lado, ensanguentadas”, descreveu um jovem que pediu anonimato.

Os hospitais da região estão sobrecarregados com dezenas de feridos, muitos em estado grave. Familiares desesperados aglomeram-se às portas das unidades de saúde à procura de informações sobre seus entes queridos.

“Não sei onde está o meu filho. Ele só foi lutar por um futuro melhor”, chorou uma mãe, segurando uma foto do jovem. A comunidade internacional já começou a reagir, com organizações de direitos humanos a exigirem uma investigação imediata e transparente.

Enquanto isso, o governo moçambicano emitiu um comunicado breve, afirmando que a polícia agiu “em legítima defesa” após “atos de vandalismo e agressão”.

No entanto, vídeos que circulam nas redes sociais mostram manifestantes desarmados a fugir em pânico, enquanto tiros ecoam ao fundo.

A cidade de Maputo permanece em estado de choque, com o som de sirenes a preencher o ar e o medo a espalhar-se pelas ruas vazias.

*Arte: Ventura Mulalene – AtWork