Em Moçambique, um livro pode ser tão raro quanto água potável. Em algumas escolas, mais fácil encontrar uma criança sem carteira do que com um caderno. Hoje celebra-se o Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor. Mas a pergunta que ecoa por trás dos aplausos é esta: como se celebra um objecto que tanta gente nunca tocou?

Nos salões internacionais e nas redes sociais, o livro é exaltado como base do conhecimento, símbolo da liberdade e da diversidade. Mas aqui, onde a leitura é um privilégio e não um direito plenamente exercido, a data tem um sabor amargo, o de uma festa feita sobre ruínas.

Ainda assim, há vida. Há movimento. Há resistência. E há livros.

Editoras como a Gala-Gala, Fundza, Fundação Fernando Leite Couto, Kulera, Ethale, Trinta Zero Nove, Cavalo do Mar e tantas outras, estão a escrever outra história. Uma história onde os livros circulam de motorizada, de bicicleta ou de mão em mão. Onde os autores não precisam de Lisboa para se legitimar. Onde o português convive com o changana, o macua e o sena, e onde a infância, tantas vezes deixada de fora da conversa literária, é finalmente chamada a imaginar.

Essas editoras não apenas imprimem livros, imprimem dignidade. Acreditam que um país que não lê é um país que tropeça na sua própria sombra. E fazem-no num ambiente onde o apoio institucional é mínimo, o financiamento quase inexistente, e o leitor médio é empurrado para fora do mercado por preços incomportáveis. Ainda assim, resistem. Inventam. Publicam.

Mas o livro não sobrevive só de boa vontade. Precisamos de um pacto nacional pela leitur, que comece nas políticas públicas e chegue às salas de aula. Que respeite a pluralidade linguística do país. Que garanta que toda criança, seja em Palma ou em Chókwè, tenha acesso a livros relevantes, bonitos, escritos numa língua que entenda e que a entenda.

Porque um livro não é apenas um livro. É um país a dizer “tu existes”. E uma criança que lê não é apenas um futuro eleitor ou trabalhador, é um futuro pensador, um potencial escritor da história nacional.

Hoje, o mundo inteiro celebra o livro. Mas em Moçambique, talvez o mais honesto fosse fazer uma pausa e escutar o silêncio das bibliotecas vazias, das escolas sem livros, dos leitores por nascer. E, então, escolher o lado da esperança. Porque entre a negligência e o sonho, ainda há páginas por escrever.

E talvez, só talvez, essa história ainda vá ter um final feliz.