De noite, já na cama. O telemóvel cuspiu a última mensagem da Nélia como um cuspo de desprezo:
«Adeus, Matias.»

Três pontos azuis piscaram e desapareceram. Ela desligara-o. Ele imaginou-a do outro lado do oceano, a apagar o número dele com os dedos finos que costumavam entrelaçar-se nos seus enquanto caminhavam pelos becos da Machava ou Mucupi.

«Dois anos voam, Maza», mentira ela no aeroporto, com a mochila cheia de sonhos maiores que o beco onde nascera. Agora, o Brasil devorava-a inteira — e ele? Era só um “vou chamar depois” não cumprido.

Tentou ligar. O sinal estava morto. Não por culpa dela — o governo cortara as redes outra vez, como sempre fazia quando a polícia «limpava» as ruas. «Merda!» Atirou o telemóvel para a cama, onde a foto dela no Carnaval do Rio ainda sorria, alheia ao colapso do seu mundo.

— Era assim que acabava? Num silêncio cortado por mensagens não lidas, enquanto o cheiro da cannabis do madala Sitoe flutuava pela janela como um fantasma barato?

Lembrou-se da primeira vez que a beijara, à luz de um candeeiro partido ali mesmo no beco, depois de ela se rir da camisa engomada que ele usara para o jantar em casa dos pais dela.

«Pareces um pastor evangélico, Maza!» gargalhara, antes de lhe puxar o colarinho e lhe dar um beijo na boca. Os olhos do Matias marejaram-se.