Pode um escritor, imerso em uma sociedade dilacerada por crises políticas e sociais, transformar sua literatura em uma forja de consciências? Dado que as palavras são alicerces tanto para a desconstrução quanto para a reconstrução, a resposta de Morgado Mbalate – escritor, filósofo e poeta – é um enfático e incontestável “sim”.
Nas entrelinhas de sua escrita, Morgado Mbalate desenha cenários de um tempo inquieto, onde o caos se impõe, mas não silencia. Sem a pretensão de apontar culpados, suas palavras ecoam como um convite à escuta, à reflexão e, talvez, à possibilidade de um novo amanhecer.
“Sinto na minha pele,
Na minha carne, e na minha alma,
As mazelas provocadas
Pela colonização do preto como eu,
O diabo preto, superou o diabo branco.”
(Poema de Morgado Mbalate, Colono Preto, Basta!)
Aos 32 anos, Morgado é uma das vozes que vai se levantando na literatura moçambicana, com reconhecimento além fronteiras. Autor de obras como “Odisseia da Alma” (2016) e “A Arte Suave da Palavra” (2020), sua poesia reflecte uma profunda conexão com a cultura africana.
Em entrevista ao Mbenga, Mbalate destaca que um dos maiores desafios que enfrenta é fazer com que suas reflexões literárias sejam consumidas pela sociedade. “De nada vale escrevermos livros para ficarem nas bibliotecas e não serem lidos”, afirma.
Para tornar seus livros mais acessíveis e atrativos, Mbalate tem apostado na função estética da literatura. “Tenho escrito meus textos de forma a atrair todas as faixas etárias. Considerando que muitas pessoas não têm poder aquisitivo, tenho levado meus livros às pessoas, seja em palestras, conversas formais ou informais”, explica.
Outra alternativa que tem adotado é a combinação de textos, arte plástica, música e poesia. Em colaboração com artistas como João Timane, ele também tem criado clubes de livros, compartilhando seus escritos com outras pessoas e levando suas obras para escolas. “Não é que as pessoas não gostem de ler, mas algumas não tiveram acesso aos livros desde cedo. Isso é algo que tenho tentado mudar, levando livros a escolas e orfanatos”, conta Morgado.
Apesar de seus textos estarem presentes no Brasil, Portugal e Itália, Mbalate observa que as iniciativas em Moçambique para a divulgação de textos literários nos livros escolares são ainda muito limitadas em comparação com a diáspora. No entanto, com o apoio de iniciativas individuais, ele tem participado de palestras que dão foco aos seus textos. “Estou desde 2013 colaborando com revistas estrangeiras, e é por isso que meus textos estão mais presentes em livros na diáspora do que em Moçambique”, afirma.
Por fim, Morgado revelou que está a preparar novas obras em formatos de prosa, poesia e literatura infanto-juvenil. Ele deixou um importante conselho a todas as organizações ou agentes que buscam melhorias na literatura moçambicana como ferramenta de mudança social: “Dêem mais espaço aos jovens e à nova geração. Acredito que, assim como a geração de escritores como José Craveirinha, Mia Couto, Luís Bernado Honwana, Noémia de Sousa, Paulina Chiziane, entre outros, influenciou positivamente a luta pela liberdade nacional, nós também somos capazes de gerar mudanças positivas no caos social e político que Moçambique enfrenta”.