E foi naquele fatídico dia 

Olhou para o sangue na mão, viu os seus pés descalços, tronco nu, a camisa branca pintada de vermelho fluorescente; agarrou a areia com firmeza, calçou alguns instantes de lucidez, vestiu a calma e decidiu lavar a cara; sentiu a água a esfriar a raiva, a lua a escancarar os factos: todos os vizinhos estão a acompanhar a discussão e nenhum está a seu favor; abriu a porta da casa de madeira e zinco, viu o filho de 9 anos a guarnecer o quarto dos seus pais contra o vilão que estava no quintal; olhou para a face do menor, pensou em abraçá-lo, mas percebeu que estava fora do contexto; ficou de cócoras, passou as mãos na cara por dois minutos, sentiu a sua respiração, o bafo de álcool, que justificou os actos que cometeu; olhou de novo para o pequeno Toni e sem coragem para testemunhar a lucidez dos acontecimentos recua no tempo e se vê na infância, a travar a fúria do avô do seu filho, luta sem cessar, mas aquele senhor quer porque quer fazer justiça, ensinar a mulher a colocar o sal na quantidade certa; voltou para o presente, saiu para o quintal, visualizou uma camisa no estendal, enquanto lavava os pés e os sovacos com alguns mililitros de discernimento que lhe faltou nas últimas duas horas, vestiu, calçou chinelos e caminhou pelo bairro, viu que tudo mudou; sentou num pedregulho, viu o dia a amanhecer, escutou o som das mbengas, o cheiro das badjias, a caminhada dos madrugadores; fez um desenho no chão, na areia esboçou a família que sempre quis ter; voltou a casa, viu a mulher a varrer o quintal; dormiu com os pés sujos, com medo de sair no quintal, onde rosnava o animal feroz; Alfredo pensou em ajoelhar e pedir perdão, mas sabia que a tradição vigarizaria a sua lucidez; aproximou-se da mulher, segurou a sua mão e disse com a voz mais trémula que os dedos: vou parar, Toni não pode ser como eu.

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