UPCYcles abre na Sexta-feira

Quando falta apenas um dia para a inauguração de mais uma UPCycles, a Fortaleza de Maputo já se reconfigura para dar espaço às obras dos cinco artistas dos PALOP selecionados para a edição deste ano.

Amarildo Rungo, Mateus Nhamuche, Filomena Mairosse (todos de Moçambique), Grace Ribeiro e Stephanie Silva (de Cabo Verde), deram novas cores, formas e texturas às salas diistribuídas pelo recinto, onde estão a terminar a montagem de instalações artísticas centradas na ideia de reutilizar e reinterpretar arquivos. São, todos, artistas multidisciplinares, que buscaram inspiração na família, lugares, cheiros, sabores, memórias e experiências do dia-a-dia.

Criaram trabalhos audiovisuais, como fruto de uma residência criativa em Maputo, tutorada por Ângela Ferreira e Rita Rainho. Com as obras, os artistas criaram novos espaços, ambientes e contextos que remetem à situações presentes em diferentes fases da vida em sociedade, procurando envolver o público numa viagem em visita à aspectos tactuados na memória pessoal e colectiva.

Fizemos uma visita a Fortaleza de Maputo, e acompanhamos os últimos acertos da terceira edição da exposição da UPCycles. nãouOs artistas trabalham a todo o gás, movimentam materiais e cruzam ideias com mais vigor, nos últimos instantes antes de mostrar ao público o fruto dos dois meses de residência artística em Maputo

Xingufo: um arquivo da infância

As bolas de pano, plástico e cordas, conhecidas na periferia de Maputo como “Xingufos”, já são a marca de Amarildo Rungo. São materiais precários, com que boa parte das pessoas oriundas dos arredores da capital cria(va)m bolas de futebol, na escassez condições para adquirir uma convencional.
A obra que vai mostrar na Fortaleza é centrada na ideia de tornar vivas as memórias da infância. É um arquivo, uma viagem de encontro à identidade e marcas características de um estilo de vida característico de um espaço.
Amarildo confeccionou os primeiros Xingufos em casa, quando ainda estudava na ENAV. Inicialmente usou as bolas de pano como objectos de adorno, antes de mostrá-los em Galerias.
Artístita multidisciplinar, Amarildo Rungo também pinta telas. Com o Fotógrafo Ildefonso Colaço, criou a instalação “Corpo(r)Acção”, instalação que cruza os Xingufos, em teia, às fotografias. Depois os mostrou na Fundação Leite Couto e, recentemente, no Centro Ntsyindza, com uma nova abordagem e conceitos.
É, portanto, um trabalho com base num material que já é conhecido, mas que o artista procura, sempre, revitalizar e dar nova cara.
“É o Xingufo que está aqui (na Fortaleza) assumindo-se numa estrutura, forma de montagem e, consequentemente, é uma nova obra”, explica amarildo Rungo.
Nas mostras anteriores, Amarildo Rungo apresentou os Xingufos numa espécie de rede, onde cria linhas que conectam os bolas suspensas no ar. Na proposta que será vista na UPCycles, as bolas estão, todas no chão, coberto de areia, que é onde o Xingufo é jogado, nas periferias.
“estamos a tentar devolver a sua essência, porque o Xingufo é uma coisa do chão, mas que vai ao ar mediante o chute dos jogadores”, explicou, a acrescentar que “o ponto de partida é, sempre, no chão, por isso procuro recuperar o seu sentido como bola”.

Criar um novo mundo com sementes

“Para criar um novo mundo” é título da instalação a ser montada pela fotógrafa e gestora cultural, Filomena Mairosse. A obra é, na verdade, um banco de sementes, que consiste num conjunto de grãos que fazem parte da alimentação da artista, mas com que também tenha memórias afectivas.
“São sementes para o amanhã. Sementes do hoje, para construir o amanhã”, detalhou a artista. Mairosse entende que há vida nas sementes. Há, também, esperança e o prenúncio de um futuro de fartura, ao mesmo tempo que contam o passado às vezes sombrio e de escassez.
“É uma forma de arquivar sementes que fazem parte da cultura alimentar dos moçambicanos, uma vez que encontrei muito poucos arquivos sobre a matéria, apesar de o país produzir muitas culturas agrícolas”, explicou.
Juntou sementes de embondeiro, milho, ata, feijão, milho e outros grãos. “Por causa dos constrangimentos do tempo para a recolha de sementes, uma vez que é um processo que exige o acompanhamento do ciclo de vida da planta, procurei as sementes que me trazem memórias afectivas”, afirmou.
Além de artista, Filomena Mairosse é gestora cultural. Trabalhou na produção do Festival Maputo Fast Forward, organizando exposições, conferências, Workshops e residências artiísticas. Esteve na Catchupa Factory, em Cabo Verde e em Angola, na residência LUUANDA. Expôs em Maputo e em Cabo Verde e também escreve, filma e faz colagens.

A Praga do plástico de Mateus Nhamuche

Através da sua instalação artística, Mateus Nhamuche quer elucidar a sociedade sobre os perigos que o plástico oferece ao meio ambiente. O artista procura chamar a sociedade à sociedade a reflectir sobre estratégias de gestão, senão a redução, do material abundante na cidade de Maputo e noutros pontos do país e do mundo.
No trabalho, Nhamuche procura mostrar a trajectória do plástico, desde a sua produção, aquisição, uso, descarte e posterior decomposição. Desta forma, Mateus Nhamuche pretende combater os efeitos nocivos que a presença do plástico oferece ao meio-ambiente.
“Usamos o plástico todos os dias. E esse acaba se dispersando e o encontramos em vários locais indevidos, com em túneis, arames farpados e outros”, avança, a explicar que “esse plástico acaba matando a todos, tendo em conta que é feito de um material que demora séculos para se decompor”.
A ideia, continua Mateus, é conscientizar as pessoas sobre o uso inconsciente do plástico e o seu impacto. “Deitamos o plástico de qualquer maneira e vemos o plástico nas ruas, no chão e no mar, onde acaba matando os animais e a nós, também”, clarificou.
Mateus Nhamuche é actor e performer moçambicano. Actua em peças teatrais, mas também, no cinema. Trabalha como actor, encenador, dramaturgo, produtor, figurinista e com iluminação. Adapta textos em peças, bem como apresenta-se em performances de dança.

“Encontros” com sensações e memórias 

“Encontros” é título da obra da cabo verdiana Stephanie Silva. É uma denúncia às experiências de assédios que a artista, e outras mulheres, vive na Rua da Praia, sita na cidade de Mindelo (Cabo Verde).
Consiste num vídeo, com o qual Stephanie procura levar o público a viver, ouvir e experimentar as senções de quem sofre, na primeira pessoa, episódios de desrespeito e molestações pelo seimples facto de ser mulher.
“As palavras que ouves dos homens, naquela área em específico, objectificam o corpo da mulher e criam uma conotação pornográfica”, conta. O trabalho também toca aspectos como a beleza, a história e traços da convivência no referido espaço.
“Também quero causar um certo desconforto nas pessoas, ao estarem em contacto com a peça, para ver o vídeo”, detalhe. A obra é composta por uma rampa, onde o expectador sobre e envolve a cabeça numa caixa suspensa, onde o filme é passado. A artista explica que a ideia é mostrar que a sociedade é feita de um conjunto de cenários que orientam os seus integrantes a viver com base em padrões.
“Tenho um eterno namoro com o espaço e com as sensações. Por exemplo, o vento a bater na cara, o sol a penetrar na pele, o espaço em que stou, as pessoas, formas, edifícios…tudo. nquanto pessoas, temos a mesma essência, mas somos influenciados pelo espaço em que estamos inseridos”, explicou.
Stephanie Silva é uma designer de moda movida pela causa de construir e manter uma identidade cultural baseada na tradição. Tem experiência a nível dos PALOP’s, já tendo estado em Moçambique e Angola em residências criativas e outras iniciativas culturais.

Um arquivo do histórico familiar

Grace Ribeiro é cabo verdiana apenas de nacionalidade. A artista tem, nas veias, sangue angolano, são tomense e moçambicano, fruto do passado peregrino dos seus ancestrais.
A avó paterna cresceu em São Nicolau(Cabo Verde), mas foi foi parar à São Tomé, na busca pela vida.

Trabalhou por alguns anos, durante os quais teve marido e dois filhos no país estrangeiro, mas teve de regressar à terra natal, pelo fim do contracto de trabalho.

Voltou a imigrar, tempos depois. Foi à Angola, onde teve mais filhos, um dos quais o pai da artista Grace Ribeiro, e viveu definitavente. Do mesmo modo, a avó materna saiu de Cabo Verde para São Tomé, a procura por trabalho, mas depois foi parar em Moçambique, onde gerou a mãe de Grace.

No entanto, teve de regressar à Cabo Verde, que é onde Grace viu o sol pela primeira vez.

São percursos influenciados por factores económicos, mas também pelas guerras de independências e civis vividas em Moçambique e Angola.
Através de “Emergir”, a artista descreve as rotas e os locais por onde a família se foi ramificando.

“É um projecto pessoal. Quero, através do UPCycles, conhecer as minhas raízes e aprofundar os conhecimentos sobre esta imigração feminina”, narrou, a explicar que “tem três cadeiras imersas em água, a representar 3 mulheres, a representar as viagens que faziam de barco.A água faz a ligação entre elas”.

Grace Ribeiro é fotógrafa e mestre em Arquitectura. Concilia a fotografia e o audiovisual, tendo produzido as curtas-metragens “Cabral – Artesão da Liberdade” e “Homi Grandi”, com apoios da Associação de cinema e Audiovisual de Cabo Verde e a Fundação Amilcar Cabral.

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