A fé no dicionário e os vagalumes no meu quintal

É tão cintilante, os meus oito olhos nunca haviam visto tantos pedaços de sol em movimento. Eu aqui tão solitário com minhas oito pernas, como minha única companhia nestas paredes. Não falta refeição, meus mil filhos já são crescidos e procuraram seu rumo e eu não tenho fome. Não tinha esperança, agora tenho um propósito, seguir os pedaços de sol em movimento. Andam tão alto, minhas pernas não alcançam, já tentei fazer teias para chegar até a luz, mas minhas linhas não chegam.

A luz só vem quando o dia anoitece, são gotas num minúsculo oásis, alguns micróbios de dignidade nas impressões digitais de um bárbaro gigante e insensível. Eu vou alcançar a luz, minhas teias vão me levar até lá, custe o que custar.

O último cigarro do maço estava partido

Ainda está. E eu aqui, tão solitário, a olhar para a janela, a ver uma luz intermitente, seres de luz em movimento descompassado.

E aqui na sala, meus sapatos sem marca, sem palmilha, com lama, chulé e saudades dos meus dedos. As mantas ainda estão na mesma posição que deixei. Provavelmente nem durma na cama, fique por aqui no sofá a me lamentar e a culpar os outros pelas metas que não cumpri.

Deixa-me acender o isqueiro azul, juntar as migalhas do cigarro ou melhor, vou juntar a primeira parte partida, a que tem o filtro e deixo a parte sem filtros para final. Seria bom se terminasse isso ao ar livre, enquanto contemplo a contradança dos vagalumes.

Termino a primeira parte do cigarro sensato, levanto, masexistem muitas teias nesta casa. Lúcia tem vindo pouco, tem orado muito, mas seus problemas só aumentam como as teias de aranha desta casa. Tenho que fazer limpeza, dobrar as mantas, preparar a almofada para deixar os cabelos crespos dela.

Às vezes questiono a razão das coisas, o porquê dos erros e no fundo sinto que os problemas não nos fortalecem, é que nem foram feitos para isso. Às vezes tento aprender com os erros e volto a cometer os mesmos erros. Este é o erro.

O cheiro deste tabaco é tão barato, como será que partiram este cigarro? E nas minhas interrogações sem nexo questiono como o mamilo de alguém pode não florescer?

A TV já não está cá, só tenho as séries, os livros e esta vontade autodestrutiva de não ler, ficar sem fazer nada, a olhar o status dos outros e a lamber as feridas.

É tão sincero este cigarro, não faz promessas, sabe que não foi feito para ser meu por inteiro, mas se entrega ao fogo com a tranquilidade de quem finda a missão.

Enquanto última fumaça se entrega à atmosfera, as teias inoportunas incomodam a minha meditação. Faço força, tento me livrar das teias e percebo que existe uma aranha nos meus cabelos, a única coisa que tem crescido na minha vida.

Olho para a aranha, penso em esmaga-la, mas decidi sopra-la. A aranha tranquila, flutua, pirilampeia mais um dia da minha vida.

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