Sol de Carvalho apresenta “Monólogos com a história”

Quando era jovem, Sol de Carvalho pediu ao seu pai, José Carvalho, para lhe ensinar a trocar pneu de um carro. O progenitor recusou-se! Sol, incapaz de entender a atitude do pai, zangou, mas sucede que foram repetidas vezes que endereçava pedidos e os via sendo negados pelo homem que o trouxe ao mundo.

Sol decidiu contar a história através de uma curta-metragem intitulada “Monólogos com a história”. Nove dias foram suficientes para a rodagem da película do realizador moçambicano, exibida recentemente em ante-estreia no Cine Scala, cidade de Maputo. O filme de 20 minutos, conta com um elenco completamente moçambicano: Horácio Guiamba, que interpreta o papel de Camilo, e Abdil Juma, que assume a personagem do pai de Camilo.

Gravado na cidade Inhambane, a curta-metragem conta a história do jovem que mais tarde, recém-graduado no estrangeiro e que recebe a carta a anunciar a morte do seu pai e a existência de uma propriedade como herança.

Movido pela curiosidade e interesse, regressa e descobre que a propriedade deixada pelo progenitor era na verdade uma ruína, uma casa totalmente degradada. O jovem percorreu os compartimentos da ruína, enquanto fazia um exercício mental de questionamento sobre si próprio e sobre a real intenção do pai. Neste contexto, o pai reaparece em forma de espírito e naquele momento o jovem Camilo confronta-lhe sobre diversas situações que lhe aconteceram na vida.

Essencialmente, o que Sol de Carvalho faz neste filme é questionar o lugar de um antigo combatente depois de vencer uma guerra, o seu espaço na sociedade, se deve continuar a lutar por outras revoluções ou apenas usufruir das benesses juntamente com a família. Para o efeito, o realizador faz o filho, Camilo, questionar ao pai (um militar que combateu na luta de libertação) o porquê deste não lhe ter deixado nada além de uma casa/ruína. É mais um exercício no qual Sol de Carvalho regressa aos primeiros anos de independência para resgatar o debate sobre a memória dos grupos vencedores e os seus privilégios.

Há outras camadas que o realizador explora em 20 minutos da curta-metragem como combate à corrupção e a necessidade de haver honestidade.

“Monólogos com a história”, para além de ser um exercício auto-biográfico, foi inspirado também no texto “Diálogo à beira de uma sepultura”, do livro Mitos (histórias de espiritualidade), de Aldino Muianga.

Sol de Carvalho, realizador que retrata em filme a sua história, afirma: “Pedia ao meu pai para me ensinar algo e ele dizia para aprender sozinho. Sou defensor da ideia de que os filhos devem ter a capacidade de seguir os seus caminhos, obviamente que com as condições criadas pelo pai”.

Horácio Guiamba, que interpreta a personagem Camilo, teve o guião do filme faltando sete dias para o arranque das gravações, mas encarnou o papel com a alguma naturalidade, por se tratar de uma história que acontece em diversos cantos do país. “Perguntava-me se iria conseguir contar a história, fazer o papel do filho que na verdade é o Sol, porque esta história é dele. Felizmente tive uma direcção de actores disponível que me fez sair da minha zona de conforto e dar o que devia ao filme. Foi um desafio que me deu prazer”.

Coube ao Abdil Juma fazer o papel de pai de Camilo. Para o actor, “não foi muito difícil, porque não tinha de emprestar logo à primeira a minha imagem. Isso me ajudou a poder criar a personagem do morto. Era preciso que desse aquela voz própria de um pai, a voz de autoridade”.

Para o actor, vestir a capa de um homem que tentou viver de forma regrada, sem se envolver em negócios ilícitos e nem usar o seu poder em benefício próprio foi algo prazeroso.

“As pessoas, através dos cargos que ocupam, vivem de ostentação, de luxo e ele mostrou que é possível manter a integridade. É o contrário do que hoje acontece”.

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