ÍCONES DO TEATRO

Escrito por Guilherme Mussane

O encantadíssimo planeta do teatro é um lugar cheio de estrelas cintilantes. Entre elas, Vsevolod Emilevitch Meyerhold (1874-1940), é de referência obrigatória como o são a Estrela Polar e o Cruzeiro do Sul. Ele sintetiza, na arte de interpretação, o espírito das vanguardas.
Há um filme sobre a vida de Paul Jackson Pollock, um pintor expressionista abstrato, norte-americano, em que numa das cenas ele volta para casa bêbado ( a chorar e a cambalear). Um amigo o ajuda e o pergunta por que choras? E ele responde: “Choro porque Picasso já fez tudo”. Se tivéssemos que pensar esta cena no campo do teatro, a melhor resposta teria sido: “Choro porque Meyerold já fez tudo”.
Todo o teatro do século XX está relacionado, direta ou indiretamente, com às contribuições de Meyerold. Foi tanta à sua vocação experimental, foram tantas às etapas de trabalho, às linhas sucessivas, foi tanto de uma montagem a outra; que praticamente, o teatro do século XX está sintetizado nele. Nele já aparecem, embrionariamente, Grotowsky, Bertold Brecht e Antonin Artaud. Quase todas as linhas de teatro do século XX conduzem-nos ao estilo de Meyerold.
Meyerholdatas importantes
Em 1898, ingressa na Orquestra Filarmónica de Moscovo, com Nemirovich-Dachenko.
Entre 1898 e 1902, integra-se no Teatro de Arte de Moscovo fundado por Constantin Stanislavsk e Menerovich-Dachenko. Neste grupo vai interpretar alguns papéis importantes das obras de Chekov.
Em 1902 sai do Teatro de Arte de Moscovo decepcionado com a estética naturalista e vai começar um novo caminho de experimentação teatral, que o vai levar para distintos roteiros.
Entre 1902 e 1905 funda um grupo chamado Sociedade do Novo Drama com o qual vai montar, em 3 anos, 165 espetáculos. Nesta época não havia muitas companhias teatrais e o trabalho era duríssimo. A média de ensaio de uma peça era de uma semana. O número de espetáculos de Meyerold era assustador.
Em 1905, Stanislavski desenvolveu o Teatro Estúdio (teatro experimental) no âmbito de Teatro de Arte de Moscovo (TAM). Para isso, fundou um grupo juvenil subordinado ao TAM. A ideia é que o Teatro Estúdio (TE) devia começar a indagar outras linguagens teatrais que não eram possíveis fazer no TAM.
Em 1905 ele (Stanislasvisk) convida Meyerold para dirigir o TE. A primeira peça não vai estrear por causa da Revolução ( movimento espontâneo que se espalhou em todo o país) que influenciou a Revolução de 1917.
Entre 1906-1907 entra numa grande companhia dirigida por Vera Komissarzhevskaya, que pertencia ao Teatro de Divas ou (Divos) feito para o engrandecimento de grandes figuras ( o espetáculo era feito à volta da figura principal. Meyerold trabalhou dois anos com ela. Por ser um ator e diretor altamente criativo, teve grandes atritos com a diretora e saiu da companhia.
Meyerold foi começar a trabalhar com as peças de Valery Briussov (1873-1924), numa linha chamada Convenção Consciente, um teatro lúdico ( feito através de jogos, brincadeiras, actividades criativas) entre o espectador e os actores; um teatro anti-ilusionista que incluía um espectador ativo (antecedente ao teatro de Brecht).
A convenção apela à atitude construtiva do espetador, ou seja, ele nunca se deve esquecer que está no teatro e tem perante ele um ator. Esta concepção prenuncia o teatro de Brecht.
De 1907-1917, Meyerold vai ser contratado pelos teatros imperiais de grandes produções (incluindo à ópera). Trabalha, também, com o teatro grotesco e popular, com técnicas de comédia ( pantomima, circo, texto improvisado, curtos enredos, acrobacias, máscaras e personagens tipificadas). Nessa altura ele usa o pseudónimo de Dr. Depertuto.
Paralelamente a isto, em clubes, vai desenvolver um teatro de feira baseado em tradições de teatro popular; algumas formas de teatro oriental como o Kabuki; um teatro convencional longe do realismo-naturalismo. A novidade foi ter sido um teatro que demanda no ator uma grande corporalidade ( o actor de Meyerold é um atleta poderoso, algo parecido, no nosso tempo, com um Usain Bolt do teatro).
Ele vai trabalhar com base no grotesco( estilo de representação que fusiona à tragédia, à comédia e à farsa, com personagens desformes e patéticos, produzindo um efeito caricaturesco baseado em extremos contrastes).
Partindo do grotesco que tem origem italiana, que começa nas grutas onde aparecem imagens de seres monstruosos (metade-homem e metade-animal) e a partir daí iniciou uma estética deformante. Uma deformação monstruosa que não gera medo, mas uma junção de riso e piedade. O personagem grotesco é um personagem um pouco ridículo, um pouco patético.
Essa estética do deformante demanda uma preparação do ator muito física, muito corporal, muito musical no dizer. Este é o grande caminho, a grande indagação de Meyerold, antes da revolução.
Em 1917 dá-se a Revolução Russa e Meyerold e Satanislavsk vão aderir à revolução. Vão ser militantes. Ao Stanislasvski, inicialmente, se o concede um cargo público de Comissário das Artes e o Teatro. Ele vai propor um “Outubro teatral” que é uma espécie de um movimento de autores e artistas que apoiam a revolução. Um movimento que foi um novo embrião de teatro “adequado” àquela nova realidade de País Comunista.
Em 1918, trabalha com Shostakovich, Vladmir Maikovski (grande poeta russo) e A. Rodchenko na peça “Mistério Bufo”. Trabalha em espetáculos alusivos ao triunfo da revolução ( espetáculos de massas).
A “Biomecânica” e os seus sistemas de atuação, desenvolvidos por Meyerold, nos anos 20, vai ser uma forma que propõe um novo modelo de ator, longe do ator realista, de atuação muito corporal, muito lúdica, muito festiva. É uma atuação antipsicologista, que se vai basear no Taylorismo ( sistema de produção desenvolvido por Frederick Winslow Taylor, que se caracteriza pela ênfase nas tarefas com o objectivo de aumentar a eficiência operacional). Isto tem a ver com a sociedade que acabava de nascer baseada na aliança operário-camponesa. Nesse tempo, o pensamento estava focado ao operário como modelo.
Em que é que consistiu a Biomecânica de Meyerhold?
Meyerold defendia que o ator deve atuar como o operário. A biomecânica significa que qualquer movimento do corpo implica o total: desde o dedo do pé até o cabelo (mexe com todo o corpo). Todo o corpo do ator está comprometido com a ação, por menor que seja.
Desenvolve um teatro de grande corporeidade, de um gesto amplo e projetado. A biomecânica organizava-se a partir de uma série de exercícios chamados estudos, realizados com um acompanhamento musical. Eram movimentos que consistiam na divisão de uma ação em três momentos. A ação se descompunha da seguinte maneira:
 Preparação da ação que era de uma posição contrária a mesma ação ( se a ação consistisse no lançamento de dardo, começava no tomar o impulso contrário à direção do dardo);
 O Impulso da ação ( a própria ação);
 Conclusão, o fim da ação.
Dessas combinações surgia a dança ou trabalho físico, que trabalhava sobre as quatro grandes leis da biomecânica, nomeadamente:
 1ª Lei: Ausência de movimentos supérfluos ( o movimento tinha que ser limpo com o gasto da energia necessária);
 2ª Lei: Tem a ver com o ritmo. O ator biomecânico trabalhava com música;
 A 3ª Lei: Tem a ver com a consciência da construção do equilíbrio, baseado no eixo do corpo. Havia muitos exercícios que visavam conseguir o equilíbrio do corpo;
 4ª Lei da resistência: Resistência física com relação a ação.
Havia muitos exercícios relacionados com o peso e o impulso. Todos os exercícios visavam ter um ator altamente expressivo e amplo no gesto. Para Meyerold a ação se constrói de fora para dentro. O mundo das emoções, o mundo sensível do ator é resultante da ação física.
Horizontalização dos papéis
Meyerhold transformou as hierarquias teatrais. Antes dele, o teatro tinha a seguinte hierarquia:
Autor
Director
Ator
Espectador
Na tradição do teatro Ocidental há uma supervalorização do dramaturgo e há uma ideia do ator como figura menor, talvez pela sua origem. Os atores gregos eram escravos. Meyerold vai tentar mexer com esta hierarquia passando para um teatro linear, um teatro mais horizontal. Para ele, o teatro era uma cocriação do Autor, Ator, Diretor e Espectador.
Para Meyerold, o autor é alguém que elabora uma construção poética, que o diretor a toma como estimulo ( ele não se subordina ao autor, nem a encenação se subordina ao texto). Meyerold modifica, livremente, o texto; muda cenas, acrescenta, corrige. Ele vê o texto como estimulo, como pretexto. Procura à sua imagem da obra e é essa imagem que ele transmite ao ator.
Na sua concepção de teatro, o ator não é meramente interprete. Em toda a atuação há uma margem de improvisação. O ator é, também, criador cénico.
O espetador não só interpreta. Ele acrescenta o seu imaginário na cena, pelo seu carácter convencional convida-o a ser cocriador.
Meyerold mexe com toda “velha” hierarquia teatral, a ideia de diminuir o peso do dramático sobre a encenação ( forte em Antonin Artaud); a criação do teatro de convenção (presente em Jerzy Grotowski). Valoriza o espetador como cocriador do espetáculo.
Aqui está parte daquilo que foi a trajetória artística de Meyerold. É importante percorrer a longuíssima estrada desta importante arte de interpretação, porque só assim poderemos criar às bases, sólidas, para um verdadeiro teatro moçambicano.

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