Conversa sobre a vida e obra de Lindo Lhongo

Por: Guilherme Mussane

Nota introdutória

No dia 15, a Fundação Fernando Leite Couto, produziu uma sessão de conversa para recordar, a partir de “Os noivos ou a Conferência Dramática sobre o Lobolo”, do dramaturgo moçambicano Lindo Lhongo. O intelectual Guilherme Mussane escreveu este texto contextualizador sobre uma figura (como o Aníbal Aleluia, por exemplo) vítima do esquecimento público.

Vamos recordar a vida e obra do Dramaturgo Lindo Lhongo. Há 50 anos, a Cidade de Lourenço Marques foi sacudida por fortes ventos culturais provenientes de Matalana. O cinema Dicca, Madjedge (actual Teatro Gilberto Mendes), na baixa da cidade, em 28 de Abril de 1971 recebeu a estreia da peça “Os noivos ou a Conferência Dramática sobre o Lobolo da autoria de Lindo Lhongo. Encenada e coordenada pelo arquitecto português, Norberto Barroca, contando com a participação de algumas centenas de amadores e de conjuntos musicais como o Sikuwa Kuwa de Matalana, o Djambu 70, o Coral Chemane e o agrupamento musical do Raúl Baza.
Apesar de a comissão de censura ter feito cortes no texto dramático, os autores conseguiram ter a subtileza necessária para contornar essas dificuldades e fazerem passar a mensagem política que pretendiam transmitir. A peça viria ainda a ser representada na Beira, no Auditório-Galeria de Arte, em Outubro do mesmo ano.
A segunda peça- As 30 Mulheres de Muzeleni- composta por dois actos, viria a ser estreada no Cinema São Miguel ( actual Assembleia da República), em 1 de Abril de 1974. A mesma foi ensaiada pelo próprio autor, sendo encenada por Malangatana Valente e coreografada por Samuel Dabula. Participaram neste espectáculo cerca de meia centena de amadores, tendo também a intervenção musical do Sikuwa Kuwa, do Djambu 70 e do Coral Chemane. Tal como tinha ocorrido com a primeira peça a sala voltou a registar verdadeiras enchentes, saldando-se num novo sucesso.
No decurso da década de 80, a Cidade de Maputo conheceu um momento ímpar no cenário cultural. O Teatro “Avenida” já se afirmava como “catedral” do teatro do período pós-independência e recebeu as peças do Lindo Lhongo. Foi um dia especialíssimo e a maioria das pessoas estava curiosa em ver, na prática, aquilo que se dizia e se escreveu sobre as peças deste matalanense de gema. Foi uma reestreia ímpar naquele momento do teatro, que se fazia na capital moçambicana, nos primórdios da independência nacional.
Já tinha ouvido falar deste encenador (as suas peças mais famosas são “Os noivos ou Conferência Dramática sobre o Lobolo” e “As Trinta Mulheres de Muzeleni”) , mas não imaginava a dimensão do seu trabalho. Foi um espetáculo com elenco misto (Malangatana vestido de peles de dançarino de “Xigubo” foi uma presença notável), que contou com a brilhante presença dos músicos do “Djambo 70”.
Lindo Lhongo nasceu em Lourenço Marques, hoje Maputo, em 1939. Cresceu e viveu em Matalana. Esta região de Marracuene, antes conhecida por Nondwana, inspirou o antropólogo e missionário suíço, Henry Junod, para escrever “Os Usos e Costumes dos Bantos”, uma obra mundialmente conhecida.
Lindo Lhongo aprendeu os segredos do teatro nas noites do “Karingana wa karingana”, em que ouvia fábulas (contos alegóricos cujos personagens, geralmente animais, apresentam a narrativa com o objetivo de passar uma lição de moral). Vendo filmes no “Olímpia” e no “Império” aprendeu a realização cénica no palco a partir do entendimento dos movimentos, no écran.
Lhongo teve aulas e experiência do teatro europeu no decurso do seu trabalho com o ator, encenador, autor e figurinista português, Norberto Barroca ( com vários trabalhos teatrais que atravessaram toda a história do teatro, de Gil Vicente, Shakespeare e Ben Jonson, de Joe Orton a Jeff Baron, Kafka e Pirandello, de Francisco Manuel de Mello a Camilo Castelo Branco, Raul Brandão, Jorge de Sena e Alexandre O`Neill ou Luís de Stau-Monteiro).
A sua forma peculiar de fazer teatro inseriu-se no movimento cultural da época. Havia contactos entre os artistas de Matalana ( com o grupo de artistas sediados em Lourenço Marques) e com os ventos de mudança que se viviam em África e no mundo. A pintura de Malangatana, por exemplo, já mostrava sinais de “contágio” de estilos artísticos das vanguardas europeias como o expressionismo e o cubismo. Os ventos do movimento da negritude já se refletiam na poesia de Noémia de Sousa e José Craveirinha. Foi, também, nestas “águas da história” que se inseriu o teatro que se inicia em Matalana com temas virados à cultura (lobolo, poligamia, xibalo, entre outros) e a história de Moçambique.
Lindo Lhongo cimentou o “chão do teatro” moçambicano. Foi o “archote” que iluminou a chegada dos negros à ribalta do teatro moçambicano. Foi com ele que se “abriram as portas” para a presença dos negros nos palcos da segregada Cidade de Lourenço Marques. As suas peças marcaram o início de uma nova identidade temática no teatro que se fazia na época. “ Os meus textos resultam da necessidade de dar a conhecer à juventude africana (…) uma problemática que é dela- de toda a sociedade negro-moçambicana”, disse numa entrevista com o Ciro Pereira.
Matalana foi um autêntico berço de talentos. De lá saíram actores, encenadores, pintores e escultores. Tobias Tilica Machiana é uma referência obrigatória no “mundo” dos artistas que tornaram Matalana uma região mundialmente conhecida. Entre os famosos companheiros do Lindo Lhongo estiveram os pintores Malangatana Valente Nguenha e Mankeu Mahumana, o eclético artista Mateus Sedequias Tobias Machiana e o músico Filipe Machiana.

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