Paulina vítima da geração “Copy and Past”

Desinibida, Paulina Chiziane caminhava, a passos lentos, em direcção ao púlpito do anfiteatro do Complexo Pedagógico II da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), durante a cerimónia em sua homenagem, organizada, recentemente, pela Associação Bela Arte, em parceria com Associação dos Escritores Moçambicanos e Conselho Nacional da Juventude.
Com efeito, Paulina Chiziane recebeu, das mãos do Secretário de Estado da Juventude e Emprego, Oswaldo Petersburgo, e da Emília Chambal, Presidente do Conselho Nacional da Juventude, dois diplomas de honra em reconhecimento pelo talento e dedicação às causas nacionais, sobretudo no que diz respeito às artes e cultura, levando o bom nome de Moçambique para outros cantos do mundo.
Na sua intervenção, com o seu olhar sereno e voz altiva, Paulina rasgou o silêncio que se fazia sentir no recinto. “O primeiro paraíso chama-se terra e o segundo chama-se liberdade”, advertia à juventude actual no sentido de resgatar os valores do amor à pátria e a luta pela liberdade, como armas pela soberania e afirmação de identidade própria.

Sobre a nova geração, Chiziane constata, ainda, que a mesma se encontra mergulhada numa profunda crise de identidade, notória pela falta de criação. Paulina Chiziane denomina os jovens da actualidade como os de Copy and Paste (copiar e colar), pelo facto de, a seu ver, estar composta por indivíduos que pouco sabem sobre o que fazem.

“Sou vítima desta geração (do copy and paste e take away). Às vezes, dizem que Paulina escreveu isto, enquanto nem foi ela. Abrem a página do livro, encontram a fala de uma personagem e dizem que Paulina disse isto, enquanto nem é ela”.

Depois, continua Chiziane, dizem que a Paulina é tradicionalista, porque defende a poligamia. “Eu falo, e devo falar, sobre poligamia e tradicionalismo. São erros de percepção que as pessoas desenvolvem por tirar conclusões e fazer julgamentos apressados ao seu autor”.
Como forma de inverter este quadro, Paulina Chiziane sublinha que “os jovens devem aprender a ler, mas ler com profundidade. Não só o livro, ler também a vida. Ler a natureza, porque a vida de cada um é sempre única”.

Diante de um repertório constituído, maioritariamente, por jovens, Paulina Chiziane (re)contou as alguns momentos marcantes do seu percurso. Queixou-se da “má conotação” a que, muitas vezes, os seus trabalhos são sujeitos, no seio da juventude.

“Sempre que eu publico um trabalho querem me rotular com o tema do mesmo. Publiquei um livrinho, chamaram-me romancista. Falei das mulheres, disseram que sou feminista. Falei sobre as tradições, culturas e crenças, disseram que supersticiosa… finalmente, publiquei ´A voz do Cárcere´, em Abril deste ano, a entrevistar pessoas que cometeram crimes, porquê não me chamam criminosa?”

Escrita interventiva

Paulina Chiziane é, sem dúvidas, o nome mais falado do momento. Com a recente distinção como o Camões 2021, o mais importante prémio da literatura em língua portuguesa, a escritora tem sido alvo de uma onda de homenagens por parte de várias pessoas (singulares, coletivas, nacionais e internacionais), em reconhecimento ao seu contributo nas diferentes esferas sociais, através da literatura.

Falar de Paulina Chiziane implica, entre várias possibilidades, transcorrer momentos e situações vivenciadas na nossa realidade. Além de escritora, é uma mulher cheia de virtudes e ambições. Vive de braços com o compromisso de inculcar nas novas gerações a ideia da valorização da identidade de seu povo, bem como a busca pelos hábitos e costumes da sua cultura.

A figura da primeira romancista moçambicana não só é correlacionada à literatura, mas também tem influência no espetro sociopolítico, já que Paulina Chiziane se mostra atenta e preocupada com o desenrolar dos acontecimentos tanto em Moçambique, quanto em África e no mundo.

Durante a homenagem, Paulina Chiziane revelou que escreve para mostrar que o seu povo pensa e dispõe de meios para produzir e reproduzir conhecimento.
Na ocasião, a escritora defendeu que um dos maiores desafios da juventude é descolonizar o conhecimento, muitas vezes atribuído às corrente ocidentais. De acordo com Paulina, cabe à presente geração procurar formas de comunicação para fazer saber que o povo africano existe.
“É com muita tristeza que digo isto. Vejo, pelos telejornais, jovens que tiveram oportunidades para construir esta terra, foram fazer doutoramentos para vender o seu país. Onde irei eu dançar um dia, se não tiver este chão que me foi dado pelos meus antepassados?”, questionou.

Paulina Chiziane. Fotografia de Douglas Freitas

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