PENSAR A ARTE MUITO ALÉM DAS “GRADES” DA MORAL SOCIAL

Escrito por Circle Langa

Quando Oscar Wilde “assumiu” a paternidade da decadência moral, ao ofender a sensibilidade moral dos críticos literários britânicos que o acusaram de violar as leis que protegiam a moralidade pública daquele país, por ter publicado “O Retrato De Dorian Gray”, ele estava simplesmente a satisfazer uma necessidade humana, expressar-se.

Quando o movimento dadá ou dadaísmo, das vanguardas europeias do século XX, emergiu com seu caráter ilógico; anti-racionalista; anarquista e niilista, sublimando a ideia de que “a destruição também é criação”, buscando o caos e a desordem, o objectivo era a expressão. Quando o pintor espanhol Pablo Picasso encontrou na arte africana uma liberdade formal oposta às convenções da pintura e escultura da vanguarda europeia, e deixou-se influenciar por isso no seu cubismo, o objectivo era revolucionar sua forma de expressão.
Há dois elementos em comum e a retermos sobre Oscar Wilde; Dadaísmo e Pablo Picasso: (i) a necessidade de expressão e o (ii) rompimento das grades impostas pela moral da esfera social. É aqui onde começa o sentido da arte, a expressão e a transformação da realidade para comunicar uma realidade.

Quer a expressão, quer o rompimento das grades da moral, não implicam servilismo ou satisfação de quem absorve tal expressão. Isto quer dizer que a arte, enquanto expressão, não é produzida com o objectivo de agradar a quem quer que seja.

Se assentarmos nesta lógica, concordaremos que o “gosto/não gosto” e o “bom/mau” não se constituem variáveis para classificar se algo é ou não arte. O “gosto/não gosto” são relativos ao individuo e não ao colectivo tanto quanto o “bom/mau”. Chamo aqui a esfera pública moçambicana que tem sido palco de debates sobre a análise de arte, socorrendo-se das lentes moralistas emprestadas pela sociedade para, por via do “gosto/não gosto” e do “bom/mau”, sentenciar publicamente o artista que produz arte para se expressar.

Ora, é natural que uma sanita usada e exposta em galeria, por um dadaísta, cause irritação e desgosto ao espectador que não se identifique com o dadaísmo, porém isso não deve vedar a necessidade e direito à expressão do artista que viu na sanita um caminho para insurgir-se contra o mau uso dos sanitários públicos. Esta analogia serve também para os produtos artísticos locais como é o caso do Yaba Buluku.
Se uma sociedade é composta por gerações humanas, implica assumirmos que tais gerações são, em parte, produto de rupturas na forma de ser e estar. Entendamos, no entanto, que o efeito desta disrupção (rompimento do normal) são os produtos artísticos que rompem com as grades da moral na sociedade sem que isso signifique necessariamente o kitsch ou produto vulgar e péssimo.

Se ler jornal com predomínio de texto, sem quaisquer imagens, era culturalmente prazeroso outrora, hoje deixou de ser e é um facto. Se a música, outrora, era caracterizada por composições líricas, que transportavam mensagens revolucionárias; de esperança e amorosas, sem descurar as composições melódicas exaustivas, hoje ela compreende também outro carácter inerente a este rompimento do habitual na forma de fazer arte.

Lembremo-nos de “um solo para cinco” de Augusto Cuvilas que sublima o corpo e a nudez, na sua peça coreográfica, para desbravar as matas e fronteiras impostas pelos “textocentristas” e devolver à casa a nudez (não sexual) que caracteriza África desde os tempos remotos.

Aqui temos uma evidência local de que a música Yaba Buluku é também produto da disrupção cultural, ou seja, veio romper o status quo socialmente imposto na forma de fazer música. Estas convulsões opinativas sobre o Yaba Buluku, à semelhança do que sucedeu à Oscar Wilde e ao movimento Dadá, quando romperam com o status quo no século XX, constituem as maiores evidências de que a receptividade das obras de arte não é consensual, pois, o artista que não é servil não negoceia seu modo de expressão e pensa a arte além das “grandes” da moral social.

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