Uma cátedra e uma estátua para Craveirinha

A Academia moçambicana deveria criar uma Cátedra para sistematizar os estudos sobre o trabalho de José Craveirinha e o Estado já se atrasa para erguer uma estátua do poeta, jornalista desportivo e intelectual, defende o professor universitário e ex-reitor da UniLúrio, Francisco Noa.

Falando há dias numa palestra subordinada ao tema “Afinal, o que (não) queremos de José Craveirinha?”, na Fundação Fernando Leite Couto, disse que neste momento “há estudos dispersos e feitos de forma assistemática e uma Cátedra pode ser um bom ponto de partida”.

O cargo académico proposto por Noa, sustentou, possibilitaria ainda a produção de pesquisa que daria à luz a todas as facetas craveirinhescas que ainda não foram exploradas, como, por exemplo: o seu papel no jornalismo desportivo ou a sua contaminação pelo Renascimento Negro de Harlem.

“Ignora-se o facto de Craveirinha ser um grande erudito, alguém com profundos saberes que ajudariam a perceber uma parte da história deste país”, disse, a apontar algumas zonas de pesquisa que permanecem nas escuras.

Circunscrevendo-se a literatura, por exemplo, Noa destaca conhecimentos estéticos e linguísticos: “Uma das suas marcas foi a forma como casou o xironga, uma das suas línguas com o português. Ele naturalizou a condição de duas línguas maternas e se apropriou das mesmas para a sua estética”.

Francisco Noa

Olhando para o mundo, o docente universitário com vasta obra que discute Craveirinha, esclarece que em relação a figuras desta dimensão “nada é feito ao acaso”.

A dispersão da pesquisa, insiste Noa, é “o grande drama que aflige a obra de Craveirinha”. Reconhece o esforço e pesquisa desenvolvida por Fátima Mendonça, que trabalhou sobre poemas inéditos e contou que, quando produzia a sua tese de Mestrado, igualmente quis dedicar-se a isso, mas por desencontros acabou não o fazendo. Entretanto ainda sabe pouco.

Tendo como pedra angular a urgência de preservação da memória do poeta mor e actualização permanente do seu legado, Francisco Noa sugeriu igualmente a construção de “uma estátua de José Craveirinha nos lugares que ele mais representou, [como] a Mafalala [por exemplo], que abriria uma possibilidade na forma como se olha para esse espaço”.

A semelhança do que acontece noutros lugares do mundo, como no Rio de Janeiro em que Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, ou de Fernando Pessoa e Ribeiro Chiado em Lisboa, estão eternizados em bronze, uma do intelectual moçambicano abre espaço para reabilitação das narrativas sobre as periferias moçambicanas e o seu lugar na construção do país.

Noa falava, sempre levando em consideração que embora muitas vezes se reduza José Craveirinha ao poeta – onde bem se destacou – ele também esteve envolvido nos movimentos da clandestinidade para a libertação do país, circulou, influenciando – e deixando-se influenciar – pelos grupos que dão os toques modernos a música que depois veio a chamar-se Marrabenta, entre outras empreitadas que estão por se revelar.

“Estamos a preparar o centenário”, disse Francisco Noa, se referindo aos 100 anos do nascimento de Craveirinha que se celebra em 2022, esperando que nessa ocasião “se discuta as suas várias dimensões políticas, sociais, históricas” e que igualmente se publiquem depoimentos, fotografias entrevistas, entre outras formas de preservação da memória.

Preservar o legado deste mafalalense, prossegue o docente e crítico literário, tem na sua obra o seu próprio fundamento, como, por exemplo o facto de Craveirinha ter dito que escreve para não esquecer a história.

“A relação que tinha com a memória era visceral”, esclarece, explicando que a memória lhe ajudava a ordenar a realidade, “tinha uma função ordenadora da consciência”. E, igualmente, não deixou de repisar que o percurso do autor de “Xigubo”, em largos espaços de tempo, se confunde com a história deste jovem país.

A palestra que foi massivamente assistida por estudantes de Literatura da Universidade Eduardo Mondlane, foi animado pelas leituras de alguns poemas por Guilherme Mussane e contou igualmente com a presença de poetas como Léo Cote, Ricardo Santos, docentes universitários como Aurélio Cuna, entre outros.

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