O Camões de Paulina Chiziane dá visibilidade as mulheres e a discursos marginalizados

O Prémio Camões 2021, atribuído a Paulina Chiziane, é visto por intelectuais, escritores e outros actores sociais moçambicanos como a afirmação da mulher moçambicana e de questões sociais que acabam subalternizadas e marginalizadas.

“O prémio atribuído à Paulina Chiziane é merecido. É um tributo ao seu trabalho, à sua obra, à sua rebeldia e à luta das mulheres, por um lugar de podium e não de subalternidade”, lê-se na página do Facebook de Sara Laisse, doutorada em Literaturas e Culturas em Língua Portuguesa, docente universitária e directora executiva da Fundação Fernando Leite Couto.

Ela começou, prosseguiu, com uma obra de crítica social, na qual mostrava que à mulher eram atribuídas as mais duras responsabilidades sobre uma família: a casa dos seus pais, depois no seu lar matrimonial. Isto na “Balada do amor ao vento”.

“Num segundo estágio, com recurso aos ´Ventos do Apocalipse´ e com o ´Niketche: Uma História de Poligamia´, ela nos alerta sobre a sua luta contra o patriarcado, colocando personagens-mulheres revolucionarias, na primeira obra: meninas que fisgam pássaros e caçam borboletas; uma mulher que responde mal ao marido e outra que abandona o lar; na segunda obra, coloca mulheres de um Polígamo que se juntam e se mostram revoltadas- dizendo ´tudo o que lhes vai na alma´”, situa.

Paulina Chiziane trouxe um prémio que foi conquistando há muitos anos, comentou o escritor Mia Couto -laureado com o Camões em 2013. Para quem, a autora vem fazendo um trabalho de uma vida “costurando histórias que fizeram sonhar e ajudaram a lutar por um mundo em que as mulheres fossem sujeitas da sua própria vida”.

“Este prémio é dado à minha colega e amiga Paulina e a todos nós, moçambicanos”, considera o escritor. Para quem “a nossa literatura fica assim mais visível e dignificada”. E finaliza dedicando-a um grande abraço por ser “esta lutadora incansável que com o seu modo sempre tranquilo e gentil é uma guerreira da palavra e da alma moçambicanas”.

Da música, quem igualmente reagiu foi o saxofonista e etnomusicólogo Moreira Chonguiça, com uma publicação na sua página da rede social, Instagram. Através de um post com uma fotografia em que aparecem juntos, na legenda escreveu: “foi com orgulho e honra que tomei conhecimento da atribuição do Prémio Camões 2021 a si como reconhecimento do contributo para a projecção do património literário e cultural da língua comum”.

Este galardão, refere Moreira Chonguiça, só vem provar, uma vez mais, que a arte e a cultura não têm fronteiras e é para serem sentidas ainda que não plenamente compreendidas.

Em declarações à agência Lusa, Paulina Chiziane deixou uma dedicatória muito especial: “Afinal a mulher tem uma alma grande e tem uma grande mensagem para dar ao mundo. Este prémio serve para despertar as mulheres e fazê-las sentir o poder que têm por dentro.”

Quando começou a escrever, disse ainda a Lusa, ninguém acreditava naquilo que ela fazia por se tratar de escritos de mulher. E foi combatida, como várias vezes contou, por sectores e actores da sociedade, entre os quais escritores, ainda presos numa lógica machista e patriarcal.

“Eu nem sequer me lembrava que o prémio Camões existia”, porque os confinamentos provocados pela covid-19 deixaram-na “bem fechada em casa, desligada de tudo”.

O prémio surgiu como uma surpresa. “Uma surpresa muito boa para mim, para o meu povo, para a minha gente”, que em África escreve “o português, aprendido de Portugal”. “E eu sempre achei que o meu português não merecia tão alto patamar”, acrescentou.

O seu último trabalho foi “A voz do cárcere” escrito em conjunto com Dionísio Bahule, lançado este ano, em Maputo, depois de ambos entrarem nas prisões e ouvirem os reclusos – ela a escutar as mulheres, ele, os homens. “Há tantas ideias”, disse à Lusa sobre o futuro, ideias que “nem sempre o corpo consegue realizar”.

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