O Jornalista

Saiu da Redação no final do dia, caminhando num passo lento, ombro curvado como se carregasse nas costas todo o peso da frustração de salário magro, do investimento nas letras sem retorno monetário, da voz da mulher a contar os sucessos doutros casais…até perder-se de vista para quem permaneceu parado na entrada do prédio.

O jornalista ia com riso entre os lábios, uma aura reluzente mascarava o seu rosto sem razão aparente. Seria uma crónica a formular-se? A memória de um texto ou de uma resposta engraçada de alguma fonte? Uma repentina e fugaz esperança? Caminhava em direção ao sol, que galgava a passos de cortejo de uma noiva ansiosa em mostrar os detalhes do seu charmoso vestido apertado sem véu nem grinalda.

No céu, o alaranjado do sol pintava o cinzento das nuvens daquela tarde de 19 graus celsius. Parou no vértice do passeio da ruela, o tempo de deixar passar uma fila de muitos carros no engarrafamento. Com estilo desajeitado, ar cansado, continuou a sua légua.

Cruzou o meio de uma pequena praça no interior de um jardim. Se quer viu que aquele casal de chinelos da casa de banho gastos, unhas por fazer em pés pretos, branqueados pela palidez. O gajo não viu aquela garrafinha de tampa vermelha no meio dos dois. Roupas gastas e caixas de papel desmembradas repousadas ao lado da mulher. Eles beijavam-se.

Indiferente, ignorou estas perguntas: escolheram o jardim para beijar-se e misturar o hábito pesado de GT? Eles moram num jardim? A olhos vistos, ali, a crónica lhe escapava.

Prosseguiu, alheio aos engravatados que caminhavam em direção as viaturas BMW, Mercedes Benz, com jornais nas mãos, muitos nem leram, mas cai bem o poster. Passou indiferente pelas mulheres perfumadas, esbeltas, vestidas a executivas, de salto alto e extensões longas na cabeça a cobrir o cabelo crespo. É um fetiche que não deixa de ser lenço. Nas mãos elas transportavam pastas de computadores portáteis na direita e bolsas cavalinho, na esquerda.

Contornou o Museu e entrou para a Rua, para aquela ruela. Algo no andar, o endireitar os ombros ao ver as menores que passavam, algum algo se alterou nele. Olhava com um olhar de fome, sedento. Parecia tomado por um desejo que até a elas assustava. Olhava com curiosidade de quem as queria provar. Quem lê as suas assinaturas pensa tratar-se de um poeta, um amante das letras, humanista e íntegro. Afinal, como muita coisa neste país, é tuto mafia!

Sentou na varanda do bar, depositou o maço de cigarros na mesa. Uma vista panorâmica para a rua. Uma waiter aproximou-se, conversaram, gargalharam. Voltou do balcão com a geladinha de sempre. Os olhos do jornalista não saiam da passerelle, nádegas a dindarem no bamboleio coreografado do andar daquelas miúdas com base, pó, blash no rosto e pernas a mostra. Estão a venda.

Acendeu um cigarro de menta para inalar na companhia da preta Laurentina. Na manhã seguinte, a polémica estava instalada, o matutino da capital noticiava na manchete: As barbas brancas da Prostituição infantil na Baixa da cidade.

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