Boias para as artes num país mergulhado numa guerra civil

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- Naguib - Original - Acrílico sobre cartão, assinado e datado de 1988, motivo "figuras", com 42x35 cm (moldura com 69x62 cm). Pintor Moçambicano nasceu em Tete em 1955, é um dos artistas importantes deste Pais.

Semanalmente, através do programa Conversa ao meio dia, produzido pela Plataforma Mbenga Artes e Reflexões e transmitida pela Rádio Cidade, contamos alguns episódios da História das Artes Plásticas moçambicanas, na rubrica Restauro.

Concebemos este espaço no nosso portal para a partilha, em forma escrita, do conteúdo breve, transmitido na rubrica supracitada.

Com o país mergulhado numa guerra civil violenta que mata sem dó nem piedade, destrói infraestruturas vitais para um funcionamento pleno, iniciada dois anos depois do eterno 25 de junho de 1975, as artes plásticas tentam se erguer do modo possível.

Diante de limitações de ordem logística e financeira – alguns artistas formados ou iniciando a formação em arte – o governo disponibilizou “boias” para os artistas, criando instituições de ensino e de comercialização de arte.

Estando Moçambique a seguir a doutrina marxista-leninista, os países do leste da Europa e outras Repúblicas Socialistas Soviéticas enviaram artistas para apoiar no “resgate”, dando aulas no Centro de Estudos Culturais e depois na Escola Nacional de Artes Visuais, esta última aberta em 1983.

A Loja-Galeria, uma empresa estatal dirigida por José Bragança, foi uma das intervenções directas do Estado no sector. Esta instituição, como já referimos em capítulos anteriores, desenvolveu actividades de comercialização de obras de arte e artesanato, considerando esta segunda como “arte popular”.

No mesmo contexto, a Loja-Galeria orientou projectos de formação, residências e workshops dirigidos a artistas. Tal é o caso de Maya Zürcher, uma artista suíça que, conforme a historiadora Alda Costa no livro “Arte e artistas em Moçambique Diferentes Gerações e Modernidades”, trocou experiências com artesãos de uma aldeia do Planalto de Mueda, em Cabo Delgado.

Matias Ntundu e Reinata Sadimba integraram o grupo dos beneficiários dessa formação. Ntundu introduziu ao seu repertório a técnica de xilogravura depois do contacto com a Maya Zürcher. Sadimba já se projectava pela forma como trabalhava na olaria.

Em consequência da guerra civil, observa Alda Costa que a Loja-Galeria se vira para os centros urbanos, focando-se essencialmente nas artes plásticas. Em 1986, esta empresa criou um serviço especializado designado Horizonte Arte Difusão (HAD), que funcionou até 1991. António Sopa, no artigo “Artes visuais em Moçambique – Um percurso de cem anos”, diz que as razões do encerramento nunca foram tornadas públicas.

Ainda no ano da sua criação, a HAD realizou a primeira exposição individual de Naguib, intitulado “Grito e paz”, um marco para a cena artística nacional, como referem Carlos Jorge Silia, Alda Costa e António Sopa. Para Silia, aquela exposição marca a introdução do modernismo nas artes moçambicanas.

A HAD foi responsável pela divulgação de vários artistas de diferentes gerações, de Mankew a Idasse Tembe, de Bertina Lopes a Fátima Fernandes, entre outros, realizando várias exposições e concursos para novos talentos.

António Sopa afirma que graças a Loja-Galeria artistas moçambicanos estiveram presentes em Harare, Luanda, Nova Iorque, Lisboa e Los Angeles.

Esta empresa estatal, entretanto, surge depois de outras tentativas de organizar os artistas e artesãos moçambicanos em cooperativas, desde 1976, por iniciativa da Junta da Acção Social no Trabalho (JAST).

De acordo com Sopa, este movimento abrangeu prioritariamente as Cooperativas Pau-Preto de Nampula e Cabo Delgado, aos artesões do Ibo que trabalham prata, de Mecúfi especialistas na palha para além das tapeçarias de Quelimane.

A semelhança de outras iniciativas, esta não sobreviveu a guerra civil que dilacerava o país, criando dificuldades financeiras e logísticas. Por outro lado, a semelhança do que continua a acontecer, o mercado de arte nacional estava mais virado para os turistas estrangeiros, que por sua vez temiam deslocar-se para uma nação afogada num conflito bélico.

Os próprios artistas e artesãos, igualmente mobilizaram-se. Em 1977 criaram o Centro Organizativo de Artistas Plásticos e Artesãos, que funcionou no era e voltou a ser Núcleo de Arte, tendo organizado uma exposição em Janeiro de 1978.

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É licenciado em Jornalismo, pela ESJ. Tem interesse de pesquisa no campo das artes, identidade e cultura, tendo já publicado no país e em Portugal os artigos “Ingredientes do cocktail de uma revolução estética” e “José Craveirinha e o Renascimento Negro de Harlem”. É membro da plataforma Mbenga Artes e Reflexões, desde 2014, foi jornalista na página cultural do Jornal Notícias (2016-2020) e um dos apresentadores do programa Conversas ao Meio Dia, docente de Jornalismo. Durante a formação foi monitor do Msc Isaías Fuel nas cadeiras de Jornalismo Especializado e Teorias da Comunicação. Na adolescência fez rádio, tendo sido apresentador do programa Mundo Sem Segredos, no Emissor Provincial da Rádio Moçambique de Inhambane. Fez um estágio na secção de cultura da RTP em Lisboa sob coordenação de Teresa Nicolau. Além de matérias jornalísticas, tem assinado crónicas, crítica literária, alguma dispersa de cinema e música. Escreve contos. Foi Gestor de Comunicação da Fundação Fernando Leite Couto. E actualmente, é Gestor Cultural do Centro Cultural Moçambicano-Alemão

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