[Anos 80] Um período de diálogo entre as artes e engajamento pela profissionalização do artista

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Desenho de Joaneth
Desenho de Joaneth

Semanalmente, através do programa Conversa ao meio dia, produzido pela Plataforma Mbenga Artes e Reflexões e transmitida pela Rádio Cidade, contamos alguns episódios da História das Artes Plásticas moçambicanas, na rubrica Restauro.

Concebemos este espaço no nosso portal para a partilha, em forma escrita, do conteúdo breve, transmitido na rubrica supracitada.

A euforia de estar a fundar uma nação, de estar a inventar um novo país tomou a todos os sectores, entre os quais, o das artes plásticas que já vinha com actividade regular desde a década de 40 e com exposições de artistas moçambicanos negros, desde os anos 50.

É neste contexto que se criam o Centro de Estudos Culturais e depois a Escola de Artes Visuais (ENAV). Os primeiros anos imediatos a 1975, foram de carência de material de trabalho. Mas o entusiamo que já vinha sendo gerado na Escola Industrial e outros centros de formação antes da independência não cessaram.

Idasse Tambe, por exemplo, de acordo a historiadora Alda Costa, no livro “Arte e Artistas em Moçambique Diferentes Gerações e Modernidades”, depois da formação obtida na escola, teve o acompanhamento de Inácio Matsinhe, a viver no país, na época.

Em 1977, participou, pela primeira vez numa exposição, que foi a colectiva organizada por ocasião da Feira de Actividades Comerciais e Industriais de Moçambique (FACIM). E seguiram-se muitas outras. Idasse continua no activo até aos nossos dias.

 Tendo começado com a pintura, mais tarde trabalhou a escultura e em 1986, na Associação de Escritores Moçambicanos (AEMO), realizou a sua primeira exposição individual. Idasse foi um dos fundadores e mais activos colaboradores da Revista Charrua, tendo feito vários desenhos para aquela publicação que abre uma nova página na Literatura moçambicana.

A sua geração, conforme o livro de Alda Costa, era consciente do seu papel e momento histórico que vivia de tal forma que se afirmavam Homens livres, libertos do julgo colonial e com intenções de emancipar as artes nacionais.

No mesmo período, revela-se, igualmente, Victor Sousa, um artista diferente que a semelhança de Idasse Tembe, sintetiza as tradições africanas e modernas. A partir de ambas linhagens criam as suas próprias marcas.

Em 1982, Nordino Ubisse, na apresentação da primeira exposição individual de Victor Sousa, no Núcleo de Arte, disse que o artista parece ter esquecido o que aprendeu para apresentar uma pintura que antes não existia.

Naguib, por sua vez, via-se como um cidadão do mundo, com uma interpretação global das artes, pois para si, uma obra de arte era o que cada um pudesse entender, individualmente na fruição.

O actual Núcleo de Artes é criado no mesmo contexto, a continuar o trabalho que vinha desenvolvendo desde a sua criação em 1936, mas, conquistada a independência, as atenções viram-se para os artistas moçambicanos, pois o país já era livre. A criação de associações de artistas é parte da embalagem marxista-leninista abraçada pela FRELIMO.

Numa altura em que as artes beneficiavam de intervenção estatal, os artistas começaram a preocupar-se em profissionalizar-se. Por exemplo, o Mutumbela Gogo, primeira companhia de Teatro profissional do país, é fundado em 1986. Ou seja, todas as artes estavam engajadas em afirmar-se e ocupar um lugar relevante e de respeito na Nova Sociedade que se pretendia construir. 

Foi um período em que as artes e os artistas, de diferentes disciplinas, dialogavam, coabitavam. O Mutumbela Gogo, por falta de textos de teatro moçambicano, foram buscar os escritores Mia Couto, Eduardo White ou Luís Bernardo Honwana.

A intervenção do Estado era de tal forma forte que criou a Loja-Galeria, uma empresa estatal, dirigida, segundo a historiadora Alda Costa, por José Bragança. Esta instituição era vocacionada a promoção da arte e do artesanato, quer no mercado nacional quer no estrangeiro. E igualmente realizou projectos de intercambio, um dos quais iremos abordar nas próximas semanas, antes de falarmos da criação do Museu Nacional de Arte. 

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É licenciado em Jornalismo, pela ESJ. Tem interesse de pesquisa no campo das artes, identidade e cultura, tendo já publicado no país e em Portugal os artigos “Ingredientes do cocktail de uma revolução estética” e “José Craveirinha e o Renascimento Negro de Harlem”. É membro da plataforma Mbenga Artes e Reflexões, desde 2014, foi jornalista na página cultural do Jornal Notícias (2016-2020) e um dos apresentadores do programa Conversas ao Meio Dia, docente de Jornalismo. Durante a formação foi monitor do Msc Isaías Fuel nas cadeiras de Jornalismo Especializado e Teorias da Comunicação. Na adolescência fez rádio, tendo sido apresentador do programa Mundo Sem Segredos, no Emissor Provincial da Rádio Moçambique de Inhambane. Fez um estágio na secção de cultura da RTP em Lisboa sob coordenação de Teresa Nicolau. Além de matérias jornalísticas, tem assinado crónicas, crítica literária, alguma dispersa de cinema e música. Escreve contos. Foi Gestor de Comunicação da Fundação Fernando Leite Couto. E actualmente, é Gestor Cultural do Centro Cultural Moçambicano-Alemão

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