Malangatana entra em cena (Restauro III)

Semanalmente, através do programa Conversa ao meio dia, produzido pela Plataforma Mbenga Artes e Reflexões e transmitida pela Rádio Cidade, contamos alguns episódios da História das Artes Plásticas moçambicanas, na rubrica Restauro.

Concebemos este espaço no nosso portal para a partilha, em forma escrita, do conteúdo breve, transmitido na rubrica supracitada.

Depois de termos percorrido a década 40, período importante para a história das artes plásticas moçambicanas, se pensarmos que tanto a arte moderna assim como a Maconde revela-se nessa altura. É igualmente nesta época que se implementa a Concordata 1940 – que iremos desenvolver nas próximas semanas.

Prosseguimos a contar que se as primeiras manifestações modernas das artes plásticas moçambicanas surgem com a chegada ao território nacional de algumas figuras como os portugueses Frederico Ayres, Jorge da Silva Pinto, João Ayres. É igualmente verdade que seria um equívoco assumir que apenas os moçambicanos é que foram influenciados. Houve uma troca.

O filósofo Severino Ngoenha, no seu livro A (im)possibilidade do momento moçambicano notas estéticas, sugere um Pancho Guedes, que reuniu artistas em sua casa, na qualidade de criados, para deles explorar elementos moçambicanos e incorporar na arquitectura, sua profissão.

Anos antes de Guedes, já João Ayres tinha integrado paisagens moçambicanas nas suas pinturas, tornando-se uma referência no que se convencionou designar por Arte africana. O caso clássico dessa relação de influência da arte africana sob a ocidental – ou determinação -, encontramos em “menina de avignon”, de Picasso, pintura imitada de uma estatua do roubada por franceses no Benim.

O acontecimento dos anos 50 e 60 do século passado nas artes plásticas moçambicanas foi a chegada de Malangatana ao Núcleo de Arte. Por decisão individual, inscreveu-se para aulas diurnas no Núcleo por saber, conforme Alda Costa, que ali lecionava João Ayre, artista moderno a quem muito admirava. A temática de Jacob Estevão e Vasco Campira, outros dois artistas negros que já despoletavam, não eram o estilo que estava à procura.

De noite, o artista frequentava a Escola Industrial, onde matriculou-se no curso de pintura decorativa. Expôs pela primeira vez em 1959, numa colectiva na Casa da Metrópole, em Maputo (então Lourenço Marques). Pouco depois conhece o arquiteto Pancho Guedes, que deu outro rumo ao seu percurso.

Durante cerca de um mês, Malangatana esteve ausente do Núcleo de Artes, por orientação de Guedes que o encarava como um artista natural, espontâneo que poderia se contaminar com outros artistas, caso mantivesse o convívio.

Não obstante as circunstâncias, Malangatana fez-se e em 1961 realizou a sua primeira exposição individual. O interesse pela arte africana, os ecos do Renascimento de Harlem, a Negritude, os movimentos de libertação do continente e consequentemente o contexto político, terão contribuído para a aceitação deste artista que retrata a sua gente, indignado com o status quo que denuncia.

É inquestionável, igualmente, o papel desempenhado pela media local. Os jornais da época ampliaram o conhecimento sobre o seu trabalho localmente. É o caso do Brado Africano, da Revista Tempo, jornal Notícias e Voz Africana que dedicaram páginas para a ovação do artista.

Estes órgãos legitimaram Malangatana que, se foi determinante para Shikane, Jorge Nhaca, Mankew Mahumana, Isabel Martins, Noel Langa entre outros. É rejeitado pelo artista plástico Norberto, que o questiona.

A dimensão de Malangatana faz dele uma figura crucial para a ruptura com estética ocidental, introduzindo o olhar nativo, configurado pelas línguas Bantu, entre outros elementos folclóricos.  

Involuntariamente, observa Severino Ngoenha, Malangatana tornou-se o modelo de quase toda uma geração, é o protótipo de um artista bem-sucedido, conhecido e aceite internamente e internacionalmente. A admiração cega condicionou uma pluralidade estética, de linguagem, de superfície pictórica.

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