Os livros eram uma promessa

Por: Pedro Pereira Lopes

O vento ruim vinha das profundezas do oceano. Denso e veloz, passava a mão pelos cantos e quase que não sobrava em terra uma haste em pé. O vento vinha acompanhado da grande chuva e a frequência era bruta. Na zona baixa, os prédios meneavam e as casas isolavam-se como naves espaciais, em prolongada contagem decrescente para alcançarem os céus.

Sem exageros, é um dilúvio de proporções bíblicas, anunciava o pivô do noticiário das oito. Neste momento, a cidade da Beira está sem electricidade, sem água e sem comunicação telefónica.

E choveu, durante três dias, sem interrupção.

No quarto dia, Zinha acordou cedo. Não chovia desde a madrugada. Pelas oito horas, e porque arrebitara o sol, ela foi até à praça mais próxima. As crianças da sua idade brincavam nas velhas fontes de água, atoladas como piscinas, gritavam e batiam no líquido com braçadas e pernadas. A menina estendeu uma esteira e alinhou os seus livros da escola. Estavam molhados. Os livros eram uma promessa.

Molhou também os olhos.

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